Já disponível o 8º volume do Sentido dos Mestres

No dia 27 de Março comemorou-se o Dia Mundial do Teatro no Teatro Municipal Joaquim Benite. As portas do TMJB abriram-se para acolher o público com três eventos programados, todos de entrada livre.

Foram dois os espectáculos: Ilhas, do Teatro Meridional na Sala Principal, que contou com a presença de Inês de Medeiros, Presidente da CMA; e na Sala Experimental Além da dor, a última criação da Companhia de Teatro de Almada, que se manterá em cena até dia 3 de Abril. Nas duas salas ouviu-se antes dos espectáculos, a tradicional mensagem, desta vez da autoria do encenador americano Peter Sellars, lidas pela actriz Teresa Gafeira, na Sala principal, e na Sala Experimental, pelo encenador e director da CTA, Rodrigo Francisco.

Às 18h, foi a vez do lançamento do oitavo volume do Sentido dos Mestres (formação ministrada por Josef Nadj, no último Festival de Almada, em Julho passado). O lançamento do livro contou com a presença do coreógrafo Josef Nadj, e foi apresentado pela jornalista Cláudia Galhós, do Semanário Expresso, que salientou a dimensão beckettiana de Josef Nadj. A publicação intitulada Josef Nadj O teatro e o invisível, pode ser adquirida por apenas 5€ no Teatro Municipal Joaquim Benite ou através do site ctalmada.pt

Mensagem do Dia Mundial do Teatro

Caros Amigos,
Enquanto o Mundo se encontra suspenso, a cada hora e a cada minuto, de um fluxo contínuo de informação, permitam-me que nos convoque a todos nós, criadores, para penetrarmos no nosso próprio olhar, na nossa própria realidade, e na nossa própria perspectiva de um tempo e de uma mudança épicos, de uma consciência e de uma reflexão épicas — e de uma visão épica também. Vivemos num período épico da História humana, e as mudanças profundas e constantes a que assistimos no que toca às relações humanas, entre cada um de nós, e também com os universos não-humanos, estão para além da nossa capacidade de entendermos, ou articularmos, ou falarmos, ou exprimirmos o que quer que seja.
Na verdade, não estamos só a viver em ciclos de notícias de 24 sobre 24 horas: vivemos no limiar do tempo. Quer os jornais, quer os restantes meios de informação, não estão de todo habilitados para lidar com o que actualmente vivemos.
Qual será a língua, quais os gestos, quais as imagens que nos permitam entender as profundas alterações e rupturas que vivemos hoje em dia? E como é que havemos actualmente de exprimir o âmago das nossas vidas não em forma de reportagem, mas de experiência?
O teatro é a forma artística da experiência.
Num mundo submergido por vastas campanhas de imprensa, experiências simuladas e previsões assustadoras, de que forma poderemos nós ir para além da repetição infinita dos números e conseguir apreender a santidade e a infinitude de uma vida singular, de um ecossistema singular, de uma amizade, ou da qualidade da luz num céu estranho? Dois anos de COVID-19 embruteceram-nos os sentidos, coartaram-nos as vidas, quebraram ligações, e colocaram-nos num estranho grau zero de coabitação humana.
Quais as sementes que terão de ser plantadas e replantadas nestes anos, e quais as plantas daninhas que já cresceram demasiado e que terão de ser arrancadas para sempre? Há demasiadas pessoas no limite. Demasiada violência que irrompe, irracional e inesperadamente. Demasiados sistemas solidamente estabelecidos entre nós acabaram por revelar-se estruturas que perpetram a crueldade.
Onde estão as nossas cerimónias de lembrança? O que é que é preciso recordar? Quais os rituais que nos permitirão finalmente tornar a usar a imaginação e começar a ensaiar os passos que nunca foram dados?
São precisos novos rituais para o teatro da visão épica, do sentido, da recuperação e da cura. Não precisamos de ser entretidos. Precisamos de juntar-nos. Precisamos de partilhar o espaço, e de cultivar o espaço partilhado. Precisamos de proteger os espaços da escuta profunda e da igualdade.
O teatro consiste na criação, na Terra, de um espaço de igualdade entre humanos, deuses, plantas, animais, gotas
de chuva, lágrimas e regeneração. O espaço da igualdade e da escuta profunda é iluminado por uma beleza oculta, e é mantido vivo numa interacção profunda entre o perigo, a benevolência, a sabedoria, a acção e a paciência.
No Sutra do ornamento floral, Buda enumera dez tipos de paciência superior na vida humana. Um dos mais poderosos chama-se Paciência de inteligir tudo como miragens. O teatro sempre apresentou a vida deste mundo como assemelhando-se a uma miragem. O teatro sempre nos permitiu, através da sua clareza e força libertadoras, ver para além das ilusões, da arrogância, e da cegueira e negação humanas.
Tornámo-nos tão seguros daquilo para que olhamos, e da forma como o olhamos, que nos tornámos incapazes de ver e de sentir realidades alternativas, novas possibilidades, abordagens diferentes, relações invisíveis e ligações atemporais.
Chegou o momento de levarmos a cabo a profunda renovação das nossas mentes, dos nossos sentidos, das nossas imaginações, das nossas histórias, e dos nossos futuros. E essa tarefa não pode ser desempenhada por pessoas isoladas, a trabalhar sozinhas. É um trabalho que teremos de realizar em conjunto. O teatro é o convite para fazermos esse trabalho juntos.
Muito obrigado pelo vosso trabalho.

Peter Sellars, nascido em Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), é um encenador de teatro e ópera, e director de festivais, que obteve o reconhecimento internacional graças às suas interpretações disruptivas e transformadoras dos clássicos, à defesa que tem levado a cabo da música do século XX e contemporânea, e aos projectos de colaboração levados a cabo com uma quantidade extraordinária de artistas e intérpretes. O seu trabalho ilumina o poder da arte como meio de expressão moral e acção social.
Tem dirigido óperas na Dutch National Opera, na English National Opera, no Festival d’Aix-en-Provence, na Lyric Opera de Chicago, na Ópera National de Paris, e no Festival de Salzburgo, entre outras instituições. Colaborou na criação de várias obras com o compositor John Adams, incluindo Nixon in China, The Death of Klinghoffer, El Niño, Doctor Atomic, The Gospel According to the Other Mary, e The Girls of the Golden West. Inspirado nas composições de Kaija Saariaho, dirigiu a criação de várias produções dos seus trabalhos (L’amour de loin, Adriana Mater, Only the Sound Remains), que têm enriquecido o reportório da ópera moderna.
Entre os projectos mais recentes, conta-se uma nova produção de Doctor Atomic na Ópera de Santa Fé, uma encenação do Kopernikus, de Claude Viver, para o Festival d’Automne (Paris), e uma encenação do Idomeneo de Mozart para o Festival de Salzburgo. No final de 2020 concebeu e dirigiu this body is so impermanent…, um filme criado em resposta à pandemia global e inspirado em textos do Sutra de Vimalakirti. Os seus projectos futuros incluem uma encenação do Roman du Fauvel, em colaboração com o musicólogo e fundador do Sequentia Ensemble, Benjamin Bagby; uma reposição da sua aclamada encenação de Tristão e Isolda, na qual colaborou com o artista Bill Viola, que realizou a criação vídeo; e Perle Noire, meditations for Josephine, com música do compositor e multi-instrumentista Tyshawn Sorey, e interpretação da incomparável cantora Julia Bullock.
Peter Sellars já dirigiu vários dos principais festivais de arte norte-americanos, incluindo o Festival de Los Angeles (1990 e 1993) e o Festival de Adelaide (2002). Em 2006 foi convidado para dirigir o New Crowned Hope, um festival em Viena para o qual convidou artistas emergentes a par com artistas consagrados, com origens culturais diversificadas, para a criação de novas obras no campo da música, teatro, dança, filmes, artes visuais e arquitectura, celebrando o 250º aniversário do nascimento de Mozart. Foi ainda director musical do Festival de Música de Ojai. É Professor Emérito do departamento de Artes e Culturas do Mundo da UCLA, director fundador do Boethius Institute da mesma universidade, curador residente do Telluride Film Festival, e foi mentor do Rolex Arts Initiative. Recebeu o MacArthur Fellowship, o Prémio Erasmus pela sua contribuição para a cultura europeia, o Prémio Gish, e é membro da Academia Americana das Artes e das Ciências. Obteve o prestigiado Polar Music Prize e foi nomeado Artista do Ano pela revista Musical America.

in CTA 27 Mar 2022

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