Viagem de Inverno: Uma Pátria, Três Vozes

Os males da Áustria - e da Europa - desfilam na Viagem de Inverno da escritora Elfriede Jelinek, prémio Nobel, que Nuno Carinhas encena em Almada

Rita Bertrand in Sábado 24 Janeiro 2020 | notícia online

“não somos corredores de fundo como os austríacos e os alemães e não queremos afastar o público, por isso a nossa versão de Viagem de Inverno tem duas horas e meia. Sem cortes, seriam umas cinco. Mesmo assim, é um trabalho heroico destas atrizes, porque o texto é difícil, nada canónico. Parece-se mais com um longo poema do que com uma peça tradicional com personagens e didascálias”, conta à SÁBADO Nuno Carinhas, referindo-se ao elenco composto por Teresa Gafeira, que se apaixonou pelo texto e o desafiou a encená-lo, Ana Cris e Flávia Gusmão – todas já anteriormente distinguidas com prémios de Melhor Atriz.

Conhecemos melhor a autora, Elfriede Jelinek, Nobel da Literatura em 2004 e digna representante feminina dos “escritores austríacos insubordinados” (ao lado de Karl Kraus, Peter Handke e Thomas Bernhard), através de um filme – A Pianista, com Isabelle Huppert, a retratar uma relação doentia mãe-filha, inspirada na própria vida da autora, cuja mãe queria à força torná-la um génio musical – do que pela obra.

A falha colmata-se agora, com a estreia em Almada, na sexta, dia 24, desta Viagem de Inverno, peça em oito capítulos, inspirada pelo ciclo de 24 canções para voz e piano homónimo, obra-prima do romantismo alemão (de Schubert) com a qual Jelinek desenvolveu uma relação complexa: apesar de magnífica, tornou-se para ela “infernal”, ao tocá-la em criança, sob o olhar da mãe obsessiva.

Não espanta, pois, que esta “viagem”, cujo cenário e figurinos são também de Carinhas, que optou por uma textura visual leve, à base de linhos (a preto e branco e sem remeter para nenhum lugar concreto), atravesse metaforicamente infernos contemporâneos – da história da rapariga metida numa cave durante oito anos à condição do estrangeiro, seja turista ou refugiado -, buscando na memória, a uma só voz, aqui desdobrada em três, a “interação entre o ser e o tempo que sintetiza a idade do mundo para percorrer os males da sua pátria, a Áustria e, de certa forma, da própria Europa”.

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