Três actrizes e três actores em Almada

Dois outros trabalhos em destaque no Festival de Almada.

No Teatro de Almada, Spiro Scimone interpretou, com Francesco Sframeli e Nicola Rignanese, a sua peça La Festa (1999). Dramaturgo bem conhecido do público português _ os Artistas Unidos montaram os seus dois textos anteriores (Café e Nunzio) e estrearão A Festa no CITEMOR deste ano _- prossegue nesta obra a estratégia de sobrepor esboços de personagens excluídas (aqui uma família pobre, constituída por pai, mãe e filho) através duma concatenação intermitente de diálogos rarefeitos (tentativa de cruzar Beckett e Pinter).

O excelente trabalho dos três actores acentuou no texto a sugestão de tensões face à intriga (confia-se à expressão física os jogos de poder aí omitidos), a sua inversão narrativa (os fragmentos articulam-se, no texto, pela reiteração do vínculo familiar e, em cena, pela partilha do espaço: cozinha familiar reduzida aos seus signos elementares) e a ironia que corrói a denúncia social (as personagens expõem-se aspirando a uma ordem trágica, horizonte sublinhado pelas pausas súbitas em que os actores se vêm reduzidos a corpos inanimados). A qualidade interpretativa não deverá, porém, iludir o evidente desgaste duma escrita que, sobrevalorizando uma tradução pobre, porque documental, e imediatista da realidade, reduz a estilizações maneiristas os modelos reclamados.

No Maria Matos, a encenação de Pepa Gamboa da comédia negra La Calle del Infierno (2001) de Antonio Onetti clarificou os sucessivos pontos de vista que afectam a dramatização da tentativa de suicídio de Juani (Lola Botello), organizados pela manipulação de duas persianas móveis num espaço cénico quase nu. O olhar cinematográfico do dramaturgo e o realismo pícaro da intriga _ preparando-se Juani para um concurso de sevilhanas, descobre pelas colegas Toñi (Paqui Montoya) e Paqui (Carmen León) que não é a feliz mulher do homem do talho e estrela do supermercado mas vítima das suas traições com ele _ levou Gamboa a explorar no trabalho das três actrizes uma intensa variação de registos que desdobra os sentidos deste infierno. Assinalável que a excelente interpretação deste jogo histriónico, só possível no feminino (García Lorca não o desdenharia), viesse a desenhar uma pungente e didáctica universalização da dor da protagonista.

Nota: as traduções destes e outros textos de Onetti e Scimone inauguram a colecção Livrinhos de Teatro que os Artistas Unidos lançaram neste Festival.

La Festa
Autor. Spiro Scimone
Encenação. G.Imparato
Intérpretes. Spiro Scimone, F. Sframeli e IncolaRignamese

Miguel Pedro Quadrio
in Diário de Notícias, 16 jul 2003

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