Teatro do Bairro vai estrear “Colónia penal”, o inédito inacabado de Jean Genet

A peça "Colónia Penal", um inédito inacabado de Jean Genet, estreia-se na quinta-feira, em Portugal, no Teatro do Bairro, em Lisboa, numa encenação de António Pires, que a considera "o texto mais filosófico e poético do autor francês".

in RTP Notícias03 jul 2018 notícia online

“Le bagne”, no título original, este inédito que Jean Genet terá reelaborado entre 1942 e 1964, e de que terá também concebido um guião cinematográfico, entre 1952 e 1955, é “um verdadeiro santuário do imaginário” do escritor, nas palavras de Michel Corvin, editor da obra em francês, juntamente com Albert Dichy (2002).

A versão que sobe ao palco do Teatro do Bairro – e que inclui uma sequência filmada por João Botelho -, foi traduzida há alguns anos pelo ator Luís Lima Barreto, em colaboração com Fátima Ferreira, a partir da edição francesa que agregou os fragmentos deixados por Genet, naquela que, para o autor, seria uma das suas peças mais ambiciosas, senão mesmo a mais ambiciosa.

Disso terá mesmo dado conta aos amigos e, talvez por isso, não tenha desistido de a escrever, retomando-a ao longo do tempo, sustenta Michel Corvin, no prefácio da edição francesa.

Um projeto que nunca chegou a ser posto em palco, apesar de ter sido lido no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, e que acabou por chamar a atenção de António Pires “há um ano e tal”, como o próprio disse à Lusa.

“Li a tradução [de Luís Lima Berreto] e disse-lhe logo `Eu quero fazer isto`”, explicou o encenador à Lusa, acrescentando que a peça só agora sobe ao palco, “devido a problemas relacionados com direitos de autor”.

A peça vai estar em cena até 22 de julho, com algumas representações integradas na programação da 35.ª edição do Festival de Almada.

“Bagne”, como a expressão francesa indica, aponta para um lugar de prisão, de degredo, de trabalhos forçados e de expiação de culpa, a que não é alheia uma espécie de sentença de morte.

“Um poema dramático”, é como António Pires qualifica a peça que tem como eixo dramatúrgico e temático a prisão e em que “são visíveis todos os elementos característicos da obra de Genet”.

Nesta peça, “temos o Genet a fazer poesia, `vaudeville`, a distanciar-se de si próprio e da sua escrita num contexto de isolamento próprio de prisões, mas não daquelas a que estamos habituados, mas sempre como um lugar de castigo e de libertação”, observou o encenador.

A prisão é vista como a última etapa antes da morte que, além de um fim material, também funciona como passagem para um mundo superior, o das ideias, indicou.

É, pois, o crime, enquanto elemento redentor, que vai ligar a trama psicológica e dramática desta “Colónia penal” povoada de trabalhadores forçados, excluídos e degredados.

Um fundo escuro, onde predominam jogos de luz e sombra – “como nos quadros de Caravaggio”, nas palavras de António Pires -, e uma guilhotina, no seu outro nome, “Viúva”, impõem-se no cenário de “Colónia Penal”.

Uma espécie de plano superior, como uma varanda, com uma visão mais luminosa da realidade, acolhe guardas negros que discorrem sobre as situações do interior da colónia.

Prisioneiros, criminosos, administração da colónia e guardas são algumas das personagens da peça, cujo núcleo central gira em torno de uma espécie de trindade. O tuberculoso Rocky, o carrasco Ferrand e o jovem criminoso Forlano são as figuras centrais.

Com a chegada Forlano, tudo muda. Ele faz mudar, não apenas a colónia, “mas o deserto, o globo terrestre, o globo celeste, os céus”. Tudo “mudou de destino”, como Rocky, o tuberculoso, afirma-se a determinada altura da peça.

Lúcidas, mas também alienadas pelos seus sonhos, as personagens centrais são ainda atormentadas pela fantasmagórica aparição de vítimas — “O Quadro das vítimas” -, uma sequência cinematográfica realizada por João Botelho.

Nesta peça de uma linguagem brutal, composta por vários quadros soltos de um discurso “com uma notável densidade poética, marcadamente erotizada”, como escreve Luís Lima Barreto, António Pires optou por cerzir a teia a partir das figuras do Sol e da Lua, que abrem a peça, e que pairam sempre no universo personificando a morte.

Escritor, poeta e dramaturgo francês, conhecido como truculento, Jean Genet nasceu em Paris, em 1910, e morreu em 1986.

A interpretar “Colónia Penal” estão Luís Lima Barreto, João Barbosa, Hugo Mestre Amaro, Rafael Fonseca, Gio Lourenço, Igor Regalla, David Spínola, João Maria, Francisco Vistas e Christian Martins.

Márcia Breia, Francisco Tavares, Jaime Baeta, Carolina Campanela e Guilherme Alves são as vítimas, no filme de João Botelho.

Com cenografia de Alexandre Oliveira, figurinos de Luís Mesquita, música de Paulo Abelho e ilustração de Joana Villaverde, “Colónia Penal” pode ser vista de 05 a 17 de julho, integrada no Festival de Almada, com espetáculos às segundas e terças-feiras, às 18:00, e, de quarta-feira a sábado, às 21:30.

De 18 a 22 de julho, os espetáculos começam às 21:30, de quarta-feira a sábado, e, às 17:00, ao domingo.

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