Reinar Depois de Morrer, ou a força do amor eterno entre Pedro e Inês

A peça “Reinar Depois de Morrer” é para ver e sentir em Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite, até 17 de novembro

Cláudia Paiva Silva in Revista Rua 05 Novembro 2019 | artigo online

Escrita em 1630 por Luis Veléz de Guevara, Reinar Depois de Morrer será uma das primeiras incursões de palco à história de amor mais conhecida de Portugal. Não deixa de ser curioso, nem tão pouco irónico, o interesse entre os autores espanhóis da época dada a situação política entre Portugal e Espanha, interesse esse ligeiramente maior do que o dos autores portugueses, embora já se conhecessem alguns relatos escritos incluídos no Cancioneiro Geral, com Trovas à Morte de Inês de Castro, e posteriormente n’Os Lusíadas de Camões (1572), bem como n’A Castro de António Ferreira (1587).

Ainda assim será Reinar Depois de Morrer, de origem espanhola, o texto que melhor retrata o espírito dos protagonistas.

O cenário desta adaptação agora realizada pela Companhia de Teatro de Almada poderia dizer-se semelhante a uma embarcação, contudo, à medida que verificamos a evolução da trama, verifica-se também a sua transformação entre os jardins da Quinta das Lágrimas, as margens do Mondego, os riachos que, segundo a lenda, se enchiam com o pranto de Inês, primeiro devido a saudade, depois, devido à certeza do seu trágico destino. Quando Pedro é preso a mando do seu pai, Afonso IV, as quatro aberturas na estrutura transformam-se em grades de prisão, também elas transmissoras de boas novas e desventuras entre o casal de amantes.

E se o cenário é fundamental, serão os intervenientes na história da História que enchem o restante espaço. Inês de Castro, bela, sensata, Garça branca, apaixonada pela Vida, é ela a Vida de tudo; D. Afonso IV, Rei de Portugal, Pai, Amigo, Cúmplice, que tem nas suas mãos a escolha entre o Dever de Estado e a alegria de uma família; e, por último, a Infanta Blanca de Navarra, escolhida entre as demais para desposar Pedro após a morte de Constança, uma mulher que nasceu e foi criada para reinar, mas que sente na alma o desprezo e despeito com que o futuro marido a recebe, não lhe omitindo tão pouco já ser casado com outra mulher. D. Pedro é assim o elo de ligação entre todos, podendo até ser visto como um tolo adolescente, enamorado de Inês, correndo pelos bosques, mas desventurado na sua condição de herdeiro ao trono de Portugal.

É neste quarteto, no qual também integram personagens secundárias, que tudo se irá passar. No reconhecimento de Afonso à sua (talvez) nova nora, à aceitação dos seus netos com todo o amor que um avô pode dar, mas também às várias tentativas frustradas e frustrantes de chamar Pedro à realidade dos factos, às suas responsabilidades, citando-se uma das passagens mais brilhantes proferidas por João Lagarto representando o monarca: “Eu rogo-vos como amigo, peço-vos como Pai, mando-vos como Rei, não deis pretexto a agastar-me”. Mas Pedro, talvez já mostrando alguma debilidade, que posteriormente à morte de Inês é totalmente revelada, apenas tinha olhos para aquela que era a mais formosa entre todas.

Blanca de Navarra, Infanta, é por sinal a que mais razões tem para odiar e querer a morte da sua rival, contudo, é a que irá igualmente desistir primeiro, voltando humilhada para casa, embora com as simpatias do rei luso.

Quanto à morte de Inês, fatídico fado já esperado, não se consegue encontrar um culpado a não ser uma sociedade que, já na altura, tinha um peso imenso às decisões do Estado. Por um lado, Afonso amaria tanto Inês como a seus netos, por outro, dificilmente poderia deixar que os filhos “bastardos” do seu próprio filho subissem eventualmente ao trono num futuro. As conturbações políticas à época não seriam favoráveis e conselheiros (ou homens políticos) abutres, sempre existiram. Matando-se assim o elo de sangue, matando-se a mulher maldita que todos adoravam e que todos adorava, o assunto poderia ficar resolvido, mas nada preparava para que, após a sua morte, D. Pedro a coroasse Rainha de Portugal e a obrigasse à imagem macabra de ver os seus súbditos beijarem a mão do corpo defunto: “Silêncio, silêncio! Ouvi: Esta é a Inês laureada, esta é a rainha infeliz, que mereceu em Portugal, reinar depois de morrer”

Após a passagem por Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite, Reinar Depois de Morrer, visitará o Porto de 5 a 7 de dezembro, no Teatro Nacional São João, estando igualmente integrada no Festival Internacional de Teatro Clássico de Almagro.

fonte
Revista Rua
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