Raul Somado e uma cidade em festa com o teatro

Duas encenações de Benno Besson, uma das grandes personalidades do teatro a nível mundial, marcam a 20° edição do Festival de Almada, que se realiza, como todos os anos, de 4 a 18 de Julho, em diferentes espaços de Almada e Lisboa.

in Cultura & Espectáculos, 4 jul 2003

O programa integra um conjunto de grandes criadores e companhias prestigiadas, como o francês Jacques Nichet, com o Théâtre National de Toulouse, o canadiano Denis Marleau, com a sua Ubu – Compagnie de Création, o luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota, com o teatro de Millefontaines, o dramaturgo e autor italiano Spiro Scimone, com a companhia Scimone Sframeli, o colectivo belga STAN, ou os brasileiros Hique Gomez e Nico Nicolaiewski.
O Festival decorre em diversos espaços de Almada – Escola D. António da Costa, Teatro Municipal, Fórum Romeu Correia, Sociedade Incrível Almadense, Herdade da Aroeira – e de Lisboa – Centro Cultural de Belém, Teatro da Trindade e Teatro Maria Matos.

Benno Besson
Benno Besson, de nacionalidade suíça, foi assistente de BertoltBrecht – de cuja obra é um dos mais reputados conhecedores – e encenador residente do Berliner Ensemble, que abandonou em 1958, dois anos depois da morte de Brecht, por se recusar a “participar na instauração de um dogma teatral”.
Dirigiu durante muitos anos a Volksbuhne de Berlim mas deixou a RDA em 1977. Até 1989 foi o director da Comédie de Genève que marcou decisivamente com o seu estilo. Considerado um rebelde permanente, Besson criou numerosos espectáculos polémicos num grande número de países da Europa. A sua carreira foi também marcada pelo facto de dominar três línguas -o alemão, o francês e o italiano -, o que lhe permitiu o conhecimento aprofundado de diversas culturas europeias (Mangeront-ils?, de Vítor Hugo, foi uma das suas últimas criações).
As duas produções assinadas por Benno Besson, a apresentar no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, são criações do Teatro Stabile del Veneto / Cario Goldoni. A primeira, O amor das três laranjas, é uma adaptação da peça de Cario Gozzi feita por um grande autor italiano contemporâneo, Edoardo Sanguinetti. O espectáculo foi estreado no quadro da Bienal de Veneza de 2001. A segunda produção é o que se pode chamar um clássico de Besson: O círculo de giz caucasiano, de Brecht (tradução para italiano do mesmo Sanguinetti). O elenco de ambas as peças inclui um dos grandes actores italianos modernos: Lello Arena. A cenografia é de outro grande nome do teatro, Ezio Toffoluti, que colabora com Benno Besson desde 1971. Entre os seus trabalhos encontra-se, em por exemplo, a cenografia de Cosi fan tutte, de Mozart, na reabertura da, – Ópera Garnier, em Paris (1996).

A produção estrangeira
Jacques Nichet, director do Théâtre National de Toulouse, é um dos mais importantes nomes do teatro francês actual. Fundador do Théâtre de l’Aquarium (Cartoucherie de Vincennes), foi, até 1997, director do Centre Dramatique National de Languedoc-Roussilon, em Montpellier. Combate de negro e de cães, de Bernard Marie Koltés (estreada em 1982 por Patrice Chéreau) foi, há dois anos, um dos grandes êxitos do Festival de Avignon. O espectáculo conta com uma interpretação excepcional de Alain Aithnard, Loic Hondré, Martine Schambacher e François Chattot, considerado um dos maiores actores franceses e que o público do Festival já viu em A espera de Godot, encenado por Luc Bondi.

Do Canadá recebemos este ano o espectáculo Les aveugles – une fantasmagorie technologique, criação de Denis Marleau, texto de Maurice Maeterlink. Denis Marleau é, há vinte anos, um dos grandes renovadores do teatro canadiano e tornou-se conhecido mundialmente com trabalhos experimentais como, por exemplo, Os três últimos dias de Fernando Pessoa, de António Tabucchi.

Em Les aveugles, Denis Marleau aborda o texto de Maeterlink através de um dispositivo técnico que mistura o teatro com o cinema e conduz os espectadores a uma experiência única, uma “fantasmagoria tecnológica” no interior de uma câmara escura. A este espectáculo dedicou a revista Alternatives Théâtrales, integralmente, o seu número 73-74. 0 espectáculo foi apresentado, com extraordinário sucesso, em 2002, no Festival de Avignon.

Seis personagens à procura de autor, de Luigi Pirandello, com encenação de Emmanuel Demarcy-Mota, constituiu um dos grandes acontecimentos da temporada em Paris. Estreado no Théâtre de la Ville e em exibição actualmente no Théâtre des Bouffes du Nord, de Peter Brook, o espectáculo foi recebido com entusiasmo pela crítica francesa. Actualmente director da Comédie de Reims – Scéne National, Emmanuel Demarcy-Mota é filho da actriz portuguesa Teresa Mota e do encenador francês Richard Demarcy, e sobrinho do encenador João Mota, tendo feito toda a sua carreira em França. O espectáculo foi considerado pela a crítica uma nova leitura de Pirandello. Na interpretação destaca-se Hugues Quester (o Pai), que o Le Monde considera “um fenómeno”.

STAN, uma companhia belga que já se apresentou, por duas vezes, no Festival de Almada, goza do maior prestígio em toda a Europa. Tout est calme, de Thomas Bernhard, apresentado no Festival de Outono de Paris há alguns meses, é um espectáculo surpreendente, na linha do STAN, um grupo em que não existe encenador e cujo único programa é a ausência de programa. Uma interpretação notável do texto de Bernhard, que nos transmite, de uma forma única, toda a sua ironia.

Spiro Scimone, o dramaturgo e autor italiano de quem no ano passado os Artistas Unidos apresentaram as peças Nunzio e Café (Bar), está agora presente, como actor, para interpretar, juntamente com Francesco Sframeli, a sua obra A festa – que os Artistas Unidos vão também estrear. Scimone, actor profissional desde 1990, funda neste ano, com Sframeli, a sua própria companhia, começando a escrever com o intuito de inventar a sua própria partitura, até obter uma “língua de teatro”.
Os espectáculos de Scimone e Sframeli têm percorrido os principais festivais de teatro europeus. Tangos e Tragédias – uma produção que reúne música, humor, teatro e muita interacção com o público – é um objecto inesperado, pelo despojamento e por tratar, com aparente frivolidade, os grandes temas relativos ao ser humano. O espectáculo nasceu em Porto Alegre, em 1984, e percorreu depois todooBrasil.Está em cena há 19 anos. Os seus criadores – Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky – são exímios manobradores de registos interpretativos que utilizam a música, a coreografia e a técnica clownesca. O crítico Carlos Porto escreveu, sobre a apresentação destes Tangos e Tragédias no Festival de Cádiz: “Uma espantosa manifestação de teatro de comunicação, baseado na capacidade vocal e musical que os dois intérpretes transformavam naquilo que acabou por ser a maior, a mais entusiasmante festa desta edição do Festival de Cádiz”.
António Onetti é o dramaturgo andaluz cuja obra La calle del infierno a companhia de Sevilha Valiente Plan apresenta no Teatro Maria Matos. Onetti, de quem os Artistas Unidos farão no Festival leituras das peças Puro sangue, La puñalá e Marcado por el Tipex, é também actor e professor e ganhou em 1992 o Prémio do Royal Court Theatre, pelo conjunto da sua obra como jovem autor da União Europeia. No realismo de Onetti é patente a marca de Brecht. A sua galeria de personagens é constituída por pequenos marginais, malandros, vadios, prostitutas, delinquentes, drogados…

O encenador, actor e dramaturgo SergeButko traz ao Festival Romances Ciganos, uma adaptação sua de temas de Máximo Gorky. O espectáculo, que combina actores e marionetas, já foi apresentado em Moscovo e Sampetersburgo, Finlândia, Hungria, Paquistão e Sérvia. Peter 5-erga Butkoé um artista eslovaco, de ascendência cigana, residente em Praga. Esteve ligado ao Teatro Negro de Praga, tendo desenvolvido posteriormente o seu próprio estilo.

Um momento especial do Festival é constituido pela presença da Compagnie de L’Echarpe Blanche, de Montpellier, a qual levou à cena a peça do dramaturgo português Augusto Sobral Memórias de uma mulher fatal. Considerada por Nuno Júdice “um dos momentos importantes do teatro contemporâneo”, pelo “verdadeiro diálogo que estabelece entre a cena e o público”, esta peça de Sobral foi encenada por Jean-Louis Sol e vai, assim, poder ser vista em Portugal na sua versão francesa.

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