Premium Festival de Almada: o desejado reencontro dos atores com o público

Com 17 espetáculos, dos quais só três são estrangeiros, o Festival de Teatro de Almada arranca nesta sexta-feira para dizer ao mundo que nenhum vírus vai afastar os artistas do palco.

in Diário de Notícias 03 Julho 2020 | notícia online

Quando, em março, as salas de espetáculo encerraram e o país foi para casa, temeu-se o pior. “Foi um período de grandes incertezas”, recorda o diretor da Companhia de Teatro de Almada, Rodrigo Francisco. À medida que as semanas passavam, com fronteiras fechadas e um vírus a causar o pânico por todo o mundo, iam recebendo mails de companhias estrangeiras informando da impossibilidade de se deslocarem a Almada e o festival, que habitualmente se realiza em julho, parecia cada vez mais uma miragem. “Em abril ligámos aos nossos espectadores para saber a sua opinião e a maioria disse-nos inequivocamente que se o festival se realizasse eles estariam aqui. Foi por isso que decidimos avançar.”

Enquanto as portas do teatro se mantiveram fechadas, a equipa do Festival Internacional de Teatro de Almada delineou uma programação com 17 espetáculos, três dos quais estrangeiros, que foi apresentada no passado dia 19 de junho, antes mesmo de se saber se as viagens seriam possíveis. A sorte protege os audazes, como é costume dizer-se.

A 37ª edição do Festival arranca esta sexta-feira (3 de julho). Será mais longo do que é habitual, irá estender-se até 26 de julho, porque cada espetáculo terá mais sessões, compensando assim o facto de as lotações serem reduzidas. Há outros ajustes necessários – como as máscaras que é necessário usar e a desinfeção dos espaços que terá de acontecer regularmente. Este ano não haverá espetáculos no Palco Grande, habitualmente montado na escola, porque a organização considerou que, apesar de este palco ser ao ar livre, não haveria condições para garantir as devidas distâncias. Também por isso não haverá o habitual espaço de convívio, geralmente acompanhado por comes e bebes e gargalhadas.

Ainda assim, “não vai acontecer a festa, mas haverá encontro”, garante Rodrigo Francisco. Porque o teatro assim o exige – encontro de pessoas, dentro e fora do palco, olhos nos olhos. “É nisso que acreditamos”, diz. E depois de tantos meses parados e com tantos artistas com as suas produções suspensas, o festival será também essa oportunidade para um reencontro, desejado, com o público. Se o Festival de Almada é sempre um momento importante na temporada teatral do país, este ano é-o ainda mais, “só pelo facto de se realizar”. Num ano em que, por essa Europa fora, muitos outros festivais foram cancelados, este “vai ser um tubo de ensaio para se perceber como é que vai ser fazer teatro nestas novas condições”, admite Rodrigo Francisco. “Temos motivos para estarmos orgulhosos por estarmos num país onde a reabertura dos teatro foi prioritária e numa cidade que torna possível este festival.”

No entanto, devido às muitas limitações, em vez de ser um olhar ao que se passa no mundo teatral, este ano o festival focará a sua atenção na produção nacional. “Temos os dois teatros nacionais, temos teatros municipais, temos companhias de todo o país, como gostamos de ter, e artistas de várias gerações”, elenca o diretor. Entre as atividades paralelas, destaque para a exposição dedicada ao homenageado deste ano: o ator e encenador Rui Mendes.

Com as assinaturas praticamente esgotadas, é possível agora comprar bilhetes avulsos para os vários espetáculos.

Os espetáculos estrangeiros

Johan Padan à Descoberta das Américas, é um espetáculo do dramaturgo Dario Fo, Nobel da Literatura de 1997, interpretado pelo ator italiano Mario Pirovano. Trata-se de um texto que foi encomenado a Dario Fo pela Exposição de Sevilha, em 1992, com o objetivo de comemorar os 500 anos da descoberta da América por Colombo. “Mas o que ele faz é uma anti-epopeia cómica que denuncia a rapina dos conquistadores na América”, explica Rodrigo Francisco. “Johan Padan é uma figura pícara, um homem que perseguido pela Inquisição acaba por fugir a bordo de uma nau de Colombo”. Este é um espetáculo “que desmonta o discurso de glorificação das descobertas” e que “é o teatro reduzido à sua essência, só o ator, o texto e o público”.

La Tristura, uma das mais internacionais companhias espanholas, traz a Almada Future Lovers, um texto de Celso Giménez sobre “os jovens millenials, ou seja, aqueles que nasceram já no século XXI e são a chamada geração Z”. A ação passa-se num parque de estacionamento onde seis jovens se encontram para uma festa de botellon, em que dançam e conversam. “É um espetáculo que reflete sobre o presente, com uma beleza e uma simplicidade enormes”, garante o diretor do festival.

Também de Espanha vem Rebota, rebota y en tu cara explota, da dupla catalã Mateus e Tarrida, um espetáculo que aborda a violência doméstica, denunciando o machismo da sociedade e o permanente “convite” à submissão das mulheres.

As estreias

São três os espetáculos que se estreiam neste festival: Bruscamente no Verão Passado, de Tennessee Williams, texto dos anos de 1950, sobre a repressão da homossexualidade, pelo Teatro Experimental de Cascais (TEC), de Carlos Avilez; As Artimanhas de Sapin, comédia de Molière, pelo Teatro da Comuna, com encenação de João Mota; e Instruções para Abolir o Natal, de Michael Mackenzie, sobre efeitos da crise financeira de 2008, pela ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve.

Outros espetáculos

A “companhia da casa” apresenta este ano Mártir, com texto de Marius von Mayenburg e encenação de Rodrigo Francisco, nova produção do espetáculo estreado em 2018, com o qual a atriz Ana Cris venceu o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores.

Também da Companhia de Teatro Almada, será apresentado no Centro Cultural de Belém em Lisboa a Viagem de Inverno, com texto Elfriede Jelinek e encenação de Nuno Carinhas.

Estreada por A Turma, no Teatro do Campo Alegre, no Porto, no final de janeiro, Turismo é uma peça de Tiago Correia, sobre fenómenos de gentrificação, especulação imobiliária e despejos, com base numa investigação feita em diferentes centros urbanos. Este espetáculo esteve na origem da polémica que levou à demissão de Regina Guimarães do Conselho Municipal de Cultura da cidade: a escritora acusara de censura a direção do Teatro Municipal, por ter impedido a distribuição da folha de sala, com um texto seu (facto que a direção do teatro veio a assumir como “erro”, mas sem a intenção censória).

Os Artistas Unidos apresentam Uma Solidão Demasiado Ruidosa, a partir da novela do escritor checo Bohumil Hrabal, adaptada e interpretada por António Simão

A companhia Barba Azul apresenta Turma de 95, de Raquel Castro, um “retrato sociológico desassombrado”, de Portugal, nos anos de 1990, numa coprodução com o Teatro do Bairro Alto, de Lisboa, o Espaço do Tempo, de Montemor-o-Novo, o Centro de Artes de Ovar e o Teatro das Figuras, de Faro.

O Teatrão, com A Grande Emissão do Mundo Português, expõe a propaganda, a censura e a instrumentalização dos meios de comunicação, que iludiram os crimes da ditadura portuguesa, até ao 25 de Abril de 1974.

O Teatro do Bairro regressa a O Mundo é Redondo, de Gertrude Stein, numa encenação de António Pires.

O ator e encenador André Murraças repõe em palco O Criado, de Robin Maugham, sobre a artificialidade dos papéis sociais, peça conhecida pela versão para cinema do dramaturgo Harold Pinter e do realizador Joseph Losey.

E Luísa Cruz regressa à sua Criada Zerlina, com texto de Hernmann Broch e encenação de João Botelho, num cenário do escultor Pedro Cabrita Reis.

O Teatro D. Maria muda-se para Almada com By Heart, do seu diretor artístico, Tiago Rodrigues, que desafia dez espetadores a aprenderem um poema de cor (“by heart”) – recorrendo à obra do ensaísta George Steiner (1929-2020) para mostrar a importância da palavra na transmissão da memória do mundo.

O Nacional São João apresenta Castro, sobre o clássico do século XVI, do poeta António Ferreira, encenada pelo diretor artístico, Nuno Cardoso.

Ao todo serão 17 espetáculos, em 90 sessões repartidas por cinco palcos de Almada (Teatro Municipal Joaquim Benite, Fórum Municipal Romeu Correia, Incrível Almadense, Academia Almadense e Teatro-Estúdio António Assunção) e um em Lisboa (CCB).

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