Pensamento, debate e exposições no Festival de Almada

Uma programação extra-espectáculos oferece um conjunto diversificado de acontecimentos que dialogam com o que se passa nos palcos do 37.º Festival de Almada.

in ARTE351 20 Julho 2020 Notícia online

Actos complementares ocorrem simultaneamente durante o Festival de Almada. No dia 20 de Julho, às 18h00, na Esplanada da Escola D. António da Costa, é lançado o 6.º volume da colecção O sentido dos Mestres, da autoria de Hajo Schüler, intitulado O que pode ser visto. O volume é resultado da formação realizada no ano passado pelo encenador e actor alemão, membro do colectivo Familie Flöz, e terá apresentação de Catarina Santana.

O sentido dos Mestres, na sua 7ª edição, estará a cargo de Madalena Victorino, durante os dias 20, 21, 22, 23 e 24 de Julho.

Como é habitual, na Esplanada da Escola D. António da Costa haverá os colóquios com os artistas participantes no Festival (realizados em parceria com a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro.

As exposições marcam também a agenda do Festival de Almada: O actor que queria ser sinaleiro sobre a figura homenageada este ano, Rui Mendes, e, O sonho de J. uma instalação de José Manuel Castanheira.

 

SEMINÁRIO NO FESTIVAL DE ALMADA

O sentido dos Mestres, com Madalena Victorino

festival de almada

Este seminário composto por 5 dias e 5 sessões cada uma com 3 horas, será uma decomposição em 5 partes de um conjunto de grandes assuntos, que num jogo dinâmico entre apresentação e análise, mostra de filmes e documentários, imagens still e questões para pôr à discussão dos participantes, resultará no seu final, numa nova composição. A composição de um trabalho entregue à pesquisa e à possibilidade de compreender mais sobre a arte como participação, a dança contemporânea como espaço de acção em comunidade, tendo como horizonte, a construção da pessoa e da sociedade em que se insere.

dança como arma de fogo”, eis o título e programa deste seminário sobre dança contemporânea e sobre o que esta pode realizar dentro e fora da sua esfera habitual, procurando pensá-la como ferramenta fundamental para conectar os tecidos sociais e culturais aos tecidos da arte. Mas procurando também pensá-la como um espaço privilegiado, pondo o corpo que dança e o corpo da vida numa mesma equação, na qual o poder político do corpo e a sua potenciação em projectos artísticos alteram a fisionomia da vida – seja a de uma criança, de um grupo específico ou de uma comunidade em sentido geral. Procurando, enfim, que o corpo-arma em fogo alastre, contamine e renasça.

Grandes temas para uma abordagem metodológica e transversal à dança assim pensada: o acesso e a acessibilidade às artes; o território como matéria de criação; a humanidade como fonte e alimento; relações e tensões entre discurso e práticas artísticas; a imaginação do corpo; co-criação e felicidade; as danças interiores e exteriores; conexões com o expressionismo alemão e o individualismo contemporâneo; o corpo como paisagem de uma contemporaneidade que nos foge das mãos; nomeação e análise de projectos artísticos, sociais e culturais que pelo Mundo incendeiam realidades.


20 de Julho
Acesso e acessibilidade nas artes: o corpo democrático
21 de Julho
Educação e participação nas artes: a arte participativa
22 de Julho
Quando o “humano” é fonte para a criação.
Visitas a projectos que “transpiram” humanidade
23 de Julho
A imaginação do corpo. A luz no corpo. O que pode a arte
24 de Julho
O corpo como paisagem dramatúrgica e coreográfica.
O território como terra e campo de criação

Como participar?

A inscrição no curso, destinado a estudantes e a profissionais do teatro, faz-se mediante o envio de CV e carta de motivação para [email protected] e tem um custo de 20€ (10€ para Assinantes do Festival).

Madalena Victorino (n. 1958) estudou dança contemporânea, composição coreográfica e pedagogia das artes no The Place (London School of Contemporary Dance), no Laban Centre (Goldsmiths College, University of London) e na Exeter University. Nos anos de 1990 foi co-fundadora do Forum Dança, a primeira estrutura de dança independente em Portugal. Desenvolveu entre 1996 e 2008 no Centro Cultural de Belém o primeiro espaço de fruição artística internacional para um público jovem. Entre 2008 e 2018 foi co-programadora do Festival TODOS – Caminhada de Culturas, uma iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Lisboa e da Academia de Produtores Culturais. Criou em 2016, com Giacomo Scalisi, o projecto Lavrar o Mar, de dinamização das artes e mediação cultural na serra algarvia e Costa Vicentina.

Em Portugal, o seu trabalho tem sido marcado pela criação de projectos coreográficos vocacionados para a aproximação entre a prática e o discurso artísticos e a sociedade em geral, desenvolvendo programas educativos e sociais inovadores em vários pontos do território, dinamizando culturalmente tanto cidades multiculturais carentes de pontes de diálogo, como regiões localizadas longe dos grandes centros urbanos. Socialmente implicado, e de reconhecida vertente humanista, o seu trabalho foi já várias vezes distinguido com importantes prémios que reconheceram a intensa e ampla actividade artística que a coreógrafa e pedagoga tem desenvolvido. Autora do programa curricular de dança para o Ministério da Educação, lecciona em múltiplas instituições de Ensino Superior.

 

COLÓQUIOS NA ESPLANADA NO FESTIVAL DE ALMADA

Em parceria com a Associação de Críticos de Teatro

colóquio no festival de almada

A Esplanada do Festival de Almada é já um lugar mítico – um espaço de encontro entre o público e os artistas. Respeitando as regras de segurança e distanciamento decretadas pelas autoridades sanitárias, vamos poder regressar à mais famosa esplanada de Almada. Entre os dias 6 e 24 de Julho, vários encenadores passarão pela Esplanada para conversar informalmente com o público, respondendo às perguntas que queiram fazer-lhes, ou aos debates que queiram lançar-lhes.

Programa Colóquios na Esplanada – Festival de Almada

Segunda 6 de Julho
Isabel Craveiro (encenadora de A Grande Emissão do Mundo Português)

Terça 7 de Julho
Carlos Avilez (encenador de Bruscamente no Verão passado)

Quarta 8 de Julho
Raquel Castro (encenadora de Turma de 95)

Quinta 9 de Julho
António Pires (encenador de O Mundo é redondo)

Sexta 10 de Julho
Nuno Cardoso (encenador de Castro)

Segunda 13 de Julho
Tiago Rodrigues (encenador de By heart)

Terça 14 de Julho
António Simão (encenador de Uma solidão demasiado ruidosa)

Quarta 15 de Julho
Nuno Carinhas (encenador de Viagem de Inverno)

Quinta 16 de Julho
Rodrigo Francisco (encenador de Mártir)

Sexta 17 de Julho
Celso Giménez (encenador de Future Lovers)

Terça 21 de Julho
Mario Pirovano (encenador de Johan Padan e a descoberta da América)

Quarta 22 de Julho
João Mota (encenador de As artimanhas de Scapin)

Quinta 23 de Julho
Luís Vicente (encenador de Instruções para abolir o Natal)

Sexta 24 de Julho
Tiago Correia (encenador de Turismo)

ALMADA – Esplanada do Teatro Municipal Joaquim Benite – TMJB

Sempre às 18h00

 

EXPOSIÇÕES NO FESTIVAL DE ALMADA

O sonho de J. – Anjos cansados que carregam outros anjos

festival de almada anjos exposição de arte

Para que serve o teatro? E a cenografia? Para que serve tudo isso? De onde vêm as ideias? Ainda podemos reinventar a geografia? No palco, na mente, tal como no Mundo, ainda haverá regiões por explorar? Estas são algumas das inquietações que prevalecem no inesperado confinamento. Após a publicação dos livros Desenhar Nuvens (2014) e O Tempo das Cerejas (2016), continuo a desenvolver o tema a que chamei “Manual de sobrevivência de um cenógrafo”. Esta exposição/instalação inscreve-se no contexto destas inquietações e resulta também da revisitação de um vídeo apresentado na Quadrienal de Praga em 2015.

J. é um cenógrafo em viagem pela casa, cidade, café, hotel, campo, floresta, estação de comboios, aeroportos, outros lugares de espera, no Mundo, agora universo da teia do teatro, qual máquina de fazer sonhar, onde há uma varanda com um leque de cordas atadas, que indiciam possível transporte para as nuvens.

No sonho, J. faz viagens a pé, de bicicleta, de carro, de comboio, de avião, de barco para ilhas desertas, sentado num penhasco a observar planícies ou na praia a copiar a luz da lua. Anjo artesanal, em fuga pelo terraço de um prédio, trepa pela copa das árvores mais altas e, no sótão do teatro, sobe por uma escada de madeira em caracol onde está escrito “Acesso ao Paraíso”.

O salão vazio parece infinito, as paredes são espelhos. Cansado de tanto andar, desfaz-se da roupa e das asas, nu deita-se no chão do palco, abre a tampa, onde antigamente estava o ponto do teatro, e põe-se a espreitar para alguma coisa minúscula que está lá em baixo. É ele próprio a ter ideias, sentado na pedra da paciência.

José Manuel Castanheira

José Manuel Castanheira é licenciado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas-Artes, e professor na Faculdade de Arquitectura de Lisboa desde 1982. Trabalha em teatro desde 1973. Em 1993 o Centre Georges Pompidou apresentou uma retrospectiva da sua obra, posteriormente exibida no Museu do Teatro, em Lisboa. Como pintor, realizou várias exposições individuais e colectivas. É também autor de mais de cinquenta cartazes, capas de livros e ilustrações. Colabora regularmente com a Companhia de Teatro de Almada desde 1986, tendo assinado mais de duas dezenas de criações cenográficas até à data.

ALMADA
TEATRO MUNICIPAL JOAQUIM BENITE
Galeria de Exposições
De 5 JUL a 26 JUL

O actor que queria ser sinaleiro

exposição de arte 2020

Para que serve um arquivo de memórias construídas sobre fotografias, objectos e histórias? Recordar é celebrar um tempo que já não existe. Se nos dispomos a esse jogo, fechamos os olhos e entramos num armário sem fundo, onde vão surgindo visões de cor esfumada. Evoluímos num turbilhão de fragmentos: sons, cheiros, imagens desconexas.

Recordações são talvez fichas a saltar de um armazém de arquivos, imagens errantes disponíveis para organizar histórias com origem incerta mais ou menos parecidas.

Neste exercício, cada um constrói um mapa à sua maneira e, na vontade de o suster, imprime nele a nítidez possível, consoante o tom que mais lhe interessa naquele instante. Em plena pandemia, o exercício de conceber uma exposição constitui diferente desafio, num tempo em que as regras estabelecem uma nova ordem na relação com e entre visitantes. Pânico, medo, andam perto.

Temos mais perguntas que respostas. Muitos receiam uma outra barbárie, talvez um dilúvio. Construir uma arca de Noé para salvar imagens e conhecimento é uma espécie de inquietação que me persegue.

Proposta: em vez do dispositivo para a habitual viagem pela galeria, deparamos com um só contentor pronto para o embarque; uma exposição enclausurada, e forçosamente condensada, que o visitante pode levar para casa (takeaway); uma composição de fragmentos acompanhados de um atlas particular (livro de instruções geográficas). O desafio é uma visita imaginária. Cabe a cada um inventar novos percursos sempre que lhe aprouver e apetecer fazer incursões nesta box, um micro-universo dedicado ao actor Rui Mendes. Incursão limitada pelas circunstâncias da pandemia, mas também porque perante uma vida e obra tão cheias e ricas seria difícil, impossível até, conseguir mostrar e falar de tudo – uma lista infindável, sempre incompleta.

Rui Mendes, actor e encenador, prudente, conhecedor, eficaz, um sorriso constante onde parece espreitar o humor ou a ingenuidade do jovem que permanece, como se fosse possível uma constante dualidade: de um lado o teatro, do outro a formação interior. Ser pragmático, um quase arquitecto do espaço e de uma espécie de “teatro imediato”, ponderado, divertido, quase sempre moderado, exercícios constantes para esquecer o tempo que passa. Amar o teatro a vida inteira, tanto como ele anseia ser amado pelo teatro. Actor que antes de tudo queria ser sinaleiro. Há vidas em cuja retrospectiva emergem desenhos de sucessivos círculos, como tentativas de recuperar a simplicidade da infância. Porque, como disse Brancusi, a partir do momento em que deixamos de ser criança, deixamos de ser artistas

José Manuel Castanheira

ALMADA
Teatro Municipal Joaquim Benite . Foyer
De 03 a 26 JUL
das 13:30 às 22:30

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