Paródia quixotesca com trupe brasileira

Depois de o dramaturgo Nick Dear discutir o teatro que se faz hoje com o público, foi tempo de Cervantes

Na comemoração do quarto centenário da publicação da obra de Cervantes, o Festival de Almada apresentou na noite da passada quarta-feira um espectáculo de temática quixotesca protagonizado pelo grupo Pia Fraus, de São Paulo.
O ponto de partida dos actores brasileiros foi o de construir uma paródia ao D. Quixote de La Mancha com um inesperado trio de Quixotes representado por Hugo Possolo, Raul Barreto e Marcelo Castro, num mosaico denso carregado de sugestões para os espectadores. A ruiva e histriónica Junia Busch foi a Dulcineia de uma noite de Verão que se tornou a narradora das aventuras do cavaleiro da triste figura. Os três Sanchos Pança (de Claudinei Brandão, Beto Andreta e Henrique Stroeter) foram acompanhando as peripécias caricatas, os combates imaginários contra dragões, gigantes e moinhos de ventos dos três Quixotes que terminaram a farsa simultaneamente em palco depois de estafantes façanhas e diálogo com um estalajadeiro. O próprio Cervantes, com técnicas engenhosas, estruturou o D. Quixote sobre algumas variantes criando reflexos ondulantes da verdade ao longo da obra. Teatro de fantoches e de máscaras foram alguns dos componentes apresentados perante o público que foi ganhando uma visão caleidoscópica sobre Quixote com uma perspectiva construída através da exploração de várias facetas da figura criada por Cervantes, com momentos jocosos e vocabulário actual que foram divertindo a assistência que esgotou o recinto da Escola D. António da Costa.

Nick Dear. Ao fim da tarde de quarta–feira, Nick Dear, o autor da peça O Poder, subiu ao palco do Teatro de Almada para responder ao longo de mais de uma hora às questões da ensaísta e crítica Maria Helena Serôdio e às perguntas do público, satisfazendo a curiosidade dos que se interrogam sobre o significado e a actualidade da sua peça. Orgulha-se da sua profissão de dramaturgo porque o teatro existe desde há 2500 anos, o cinema há apenas 100 e a televisão há 50. «Acontece que Hollywood não nos dá debates sobre temas reais. Não sou cínico sobre a possibilidade do progresso na sociedade, mas sou cínico sobre as pessoas que querem o poder e sobre o que são capazes de fazer para o atingir», lá foi dizendo o dramaturgo britânico a propósito das ilações que os espectadores fazem sobre as personagens do rei Luís XIV, do banqueiro Fouquet, de Tony Blair e de Gordon Brown, estabelecendo paralelismos com a actualidade.
…(Continua na edição impressa)

Ana Rocha
in A Capital, 8 jul 2005

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