ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA

Obras de Maurice Ravel, Joly Braga Santos, Arvo Pärt e Wolfgang Amadeus Mozart | Direcção musical Michael Zilm

26 MAIO, 2012 | SALA PRINCIPAL

Maurice Ravel (1875-1937) – Le Tombeau de Couperin (1914-1917, 1919)
O neoclassicismo na música é um daqueles movimentos estéticos que tanto suscita o mais caloroso entusiasmo como a mais veemente repulsa. É, por isso, um bom factor de referência para a nossa caracterização enquanto ouvinte. Neste caso, trata-se do «novo classicismo» que se tornou moda nas primeiras décadas do século XX em torno de compositores que perpetuaram as formas instrumentais do século XVIII. Para os mais céticos, essa atitude resulta de um impulso anacrónico, sem propósito no seu tempo; foi este o julgamento dos adeptos das posturas mais «modernas». Todavia, no diálogo que aí se estabelece com o passado denota-se um grande equilíbrio entre a liberdade criativa – condição que todos os artistas para si reclamam – e a ordem formal que o clima pós-guerra requeria. É, na sua essência, um compromisso entre a inovação e a continuidade histórica. Enquanto estilo, assume expressões muito heterogéneas que reforçam a ambiguidade que lhe é própria. Grosso modo, é música com grande clareza discursiva, simples, por vezes austera, mas sempre sóbria e precisa.

Em Le tombeau de Couperin ouve-se tudo isto. A obra resulta da experiência vivida por Ravel durante a guerra – não enquanto combatente, mas como auxiliar de socorros e motorista ao serviço do exército francês. É, por isso, um memorial de guerra. Não se foca nos retratos do conflito, em si mesmos. Não traduz, por isso, a tristeza, a revolta e o heroísmo que se pode escutar noutras criações com inspiração análoga. Num jeito algo desconcertante, é tomado como recurso o modelo das suites de dança barrocas a fim de evocar a nostalgia e a graciosidade de uma experiência pouco provável em contexto bélico. É um sorriso sagaz que não esconde uma irónica provocação.

Joly Braga Santos (1924-1988) – Concerto para Cordas em Ré menor, Op. 17 (1951)
Combinam-se na música de Joly Braga Santos duas características que lhe reservam um lugar de honra entre os mais notáveis compositores portugueses de sempre. A primeira resulta do domínio que demonstrava ter do seu métier, do profundo conhecimento que tinha da história da música. A segunda, a que muitos chamam «talento artístico», manifesta-se na sinceridade e na generosidade que de imediato conseguimos identificar nas suas melodias e orquestrações, como se houvesse nelas algo de contagiante. Com efeito, toda a sua música se reveste de uma beleza de cariz inocente. Mas esta esconde por detrás de si uma grande erudição nos recursos técnicos utilizados. Não espanta, pois, que o seu legado esteja associado a uma estética neoclássica.

Este concerto, escrito para as cordas da orquestra, pertence à primeira fase da sua carreira e ilustra exemplarmente essa condição. Apresentam-se os convencionais três andamentos que eram correntes desde o século XVIII – rápido/lento/rápido. Porém, a sonoridade vagamente ancestral que alguns poderão reconhecer deve-se à utilização de estruturas modais emprestadas da teoria musical da Grécia Antiga. No primeiro andamento uma introdução cerimoniosa abre caminho a uma forma sonata com dois temas facilmente distinguíveis. Já no segundo, destaca-se a utilização de surdinas – pequeno dispositivo que abafa a amplitude e o timbre dos instrumentos. Desenvolve-se em forma ABA, numa ambiência pesarosa sempre assente num contraponto cuidado. A terminar, um rondó, animado por ritmos de danças imaginárias.

Arvo Pärt (1935) – Fratres, versão para cordas e percussão (1977)
A palavra «Frates» pode-se traduzir do latim como «irmãos», no sentido religioso do termo. Com efeito, as obras de Arvo Pärt expressam muitas vezes uma profunda vivência espiritual. Recorrentemente, recorda a música sacra de séculos distantes, quer o cantochão quer formas de polifonia rudimentares. Porém, tal não resulta de uma mera apropriação de técnicas de escrita do passado, mas sim de uma genuína identificação do compositor com uma filosofia de vida e uma maneira de pensar a criação artística que assentam em valores como a simplicidade e a contemplação. Percebe-se melhor, assim, a economia de recursos que o aproximam das correntes estéticas minimalistas que se começaram a afirmar há cerca de meio século atrás.

Esta versão de Frates desenvolve-se sobre a sonoridade das cordas da orquestra e a intervenção compassada das percussões. Datada de 1977, foi originalmente pensada para um conjunto de instrumentos não determinado, já que a essência dos seus dez minutos de música baseia-se na respiração cíclica, nos silêncios, no fluxo continuado, numa ausência carregada de sentido. Pouco importa os instrumentos que tocam, desde que estes permitam a tradução da ambiência que a partitura sugere. Ouvem-se elementos musicais explorados de forma obstinada. Reconhece-se uma curta frase melódica que se repete insistentemente, desde o princípio até ao fim. Em segundo plano, permanecem notas estáveis que cumprem a função de suporte. É música com carácter introspetivo, carregada de beleza, que convida a fechar os olhos.

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Sinfonia n.º 40, KV 550 (1788)
Sendo certo que, enquanto ouvintes, sentimos muitas vezes a dificuldade em apreciar plenamente uma obra ao escutá-la pela primeira vez – possivelmente por falta de referências – também é certo que se pode tornar custoso manter uma atenção genuinamente interessada tratando-se de uma música que já escutámos vezes sem conta. Neste último caso são diversos os entraves; seja porque se torna previsível o que vem de seguida, ou porque as partes mais conhecidas obscurecem tudo o que em redor acontece, etc. Esta sinfonia é uma das mais tocadas entre as quarenta e uma que Mozart escreveu e, seguramente, poucos de entre nós não reconhecerão a melodia que dá início ao primeiro andamento. Ainda assim, ela parece resistir a qualquer síndrome de desgaste. Apesar dos mais de duzentos anos de história que carrega consigo – os concertos, as emissões radiofónicas, os discos, a publicidade, os filmes, os estudos académicos… – apresenta-se sempre como música naturalmente disposta a dialogar connosco; ora jovial, ora misteriosa, mas pronta a revelar algo de novo.

Para além daquela melodia inicial, desenvolve-se um discurso em quatro andamentos que cruza a transparência do estilo clássico com o dramatismo de expressão romântica. No primeiro, o acompanhamento enérgico dos instrumentos mais graves mantém a permanente expetativa de que algo está prestes a acontecer. Um curto motivo descendente reaparece insistentemente, sempre com renovado propósito. No andante que se segue prevalece a elegância e, uma vez mais, assiste-se a uma notável concisão que é feita das ideias musicais, desta vez ao serviço de um sentimento de resignada tristeza. Já no minueto regressamos a uma ambiência incisiva e dramática com base em acentuações sincopadas, fazendo esquecer a identidade original desta dança social. No quarto andamento assiste-se a uma cabal demonstração da audácia e mestria do compositor austríaco, através de motivos contundentes que apontam a uma rutura surpreendente na secção central, o «desenvolvimento». Por fim, tudo regressa aos temas iniciais, como se nada tivesse acontecido.

O alemão Michael Zilm (n.1957) estreou-se como maestro em 1979, foi assistente de Herbert von Karajan e dirigiu importantes orquestras europeias, caso da Sinfónica de Berlim, da Orquestra de Paris ou da Filarmónica de Cracóvia. Em Portugal, dirigiu a Orquestra Gulbenkian entre 1994 e 2002, colaborando regularmente com a OML desde 2006. Como programador, tem-se distinguido como divulgador da música dos compositores do século XX.

Notas ao Programa
por Rui Campos Leitão

PROGRAMA
Maurice Ravel – Le Tombeau de Couperin
I. Prélude
II. Forlane
III. Menuet
IV. Rigaudon

Joly Braga Santos – Concerto para Cordas em Ré menor, Op. 17
I. Largamente maestoso – Allegro
II. Adagio non troppo
III. Allegro ben marcato

intervalo

Arvo Pärt – Fratres, versão para cordas e percussão

Wolfgang Amadeus Mozart – Sinfonia n.º 40, KV 550
I. Molto allegro
II. Andante
III. Minuetto: Allegretto
IV. Allegro assai

26 MAIO, 2012 | SALA PRINCIPAL | M/3

mostrar mais
Back to top button