O teatro mostra a crueldade dos seres humanos

O seu tetaro é povoado por drogas prostitutas e outros marginais – neles encontra Onetti metáfora sa sociedade.

Porque é que um actor começa a escrever peças de teatro?
Comecei como actor numa companhia independente de Sevilha, mas depois de dois ou três anos achei que precisava estudar. Fui para Madrid, deixei de representar e estava só _ esta foi a circunstância. Mas havia algo mais. Em Espanha, a minha foi a primeira geração de escritores da democracia. As gerações anteriores de autores eram muito influenciadas pela censura e pela luta contra a ditadura de Franco. A outra opção era encenar os clássicos, como Lorca. Não havia textos dramáticos que falassem desta realidade nova que é a democracia, que contassem o que estamos a viver.

É por isso também que escreve sobre o lado mais marginal da sociedade?
A minha geração dividiu-se em dois grupos: os que se dedicaram a uma linguagem mais estética, mais afastada da realidade; e os que fazem algum tipo de realismo (como eu), para encontrar o social, os conflitos das pessoas, aquele mundo marginal que nunca tinha aparecido no teatro.

E como é que o público reagiu a este novo realismo?
Foi surpreendente. Porque o realismo da época de Franco está muito relacionado com o teatro burguês _ um interior doméstico, uma senhora com peles, a criada, etc. E o nosso realismo é muito diferente. Uma característica muito importante desta geração de dramaturgos é que quase todos já foram actores, encenadores, trabalharam com grupos. Conhecendo os mecanismos do actor, escrevo muito para ele. Então, este teatro não se pode chamar literário, não é para ser recitado, não são palavras bonitas. É um teatro da acção, da situação dramática.

O que o inspira para escrever?
Não tenho uma regra. O que mais me inspira é a realidade. Não procuro a fotografia naturalista mas aquilo que no ser humano pode ser significativo, revelador _ uma metáfora de coisas maiores. Escrevo muito sobre marginais, prostitutas, drogados, etc., porque é um mundo onde se está no limite e isso é estimulante. Não porque me interesse especialmente o mundo da droga ou da prostituição, mas porque são extremos da sociedade e parece-me que constituem uma metáfora do resto. A mulher que se prostitui vende o seu corpo mas a ideia de que nos vendemos está em todos. Ou a necessidade (como os drogados). E isto ilustra a realidade. Há outra razão. Eu sempre quis que as minhas peças tivesse o seu próprio estilo. Se escrevo uma obra sobre a guerra na Bósnia, tento escrevê-la como se fosse um autor bósnio e separar-me de outras linguagens dramáticas que me possam ser mais próximas. Cada história tem o seu universo que condiciona a construção da peça e a linguagem.

No caso das peças com marginais, uma linguagem muito popular…
Muito viva e rica. E até original no sentido em que se está constantemente recriando. Posso construir palavras novas, porque quero encontrar as expressões certas para cada situação. A palavra é, para mim, a matéria básica do teatro.

As suas peças juntam o humor e o drama. Rimo-nos da miséria…
As relações humanas são muito cruéis. O ser humano é cruel. E essa crueldade faz parte do meu estilo. As minhas personagens são cruéis no seu quotidiano, com naturalidade. E isso, provavelmente, é uma influência de Valle Inclán. Tento mostrar os vários tons da realidade, os socos e os beijos.

Acha que há uma marca da Andaluzia no seu teatro?
Há peças que são mais sevilhanas, como a Santíssima Apunhalada ou A Rua do Inferno. Mas há outras mais universais, como Marcado pelo Tipex.

Mas Marcado pelo Tipex é uma peça diferente das outras. Nem sequer podemos dizer que seja realista.
É verdade, aí estou investigando muito o teatro dentro do teatro. Passamos de uma situação realista para um mundo de sonhos.

E com referências ao cinema policial.
Sim, é claro que tenho influências da Andaluzia mas desde pequeno que vou ao cinema e vejo cinema americano, que se tornou parte da minha cultura. O cinema negro talvez me tenha influenciado mais do que o flamenco.

Maria João Caetano
in Diário de Notícias, 13 jul 2003

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