O Nosso Português em França

Emmanuel Demarcy-Mota. Em Portugal é praticamente desconhecido mas em França é um dos grandes nomes do teatro. Dono de uma carreira meteórica, é uma das grandes apostas do Festival de Teatro de Almada.

Tânia Sarmento in Diário Económico, 4 jul 2003

O apelido soa familiar: Mota. Só que o Emmanuel e o Demarcy, já com um toque afrancesado, provocam alguma confusão. Mas voltemos ao Mota, o apelido de João e Teresa. Irmãos. O primeiro, actor e director do Teatro da Comuna. A segunda, actriz que actuou no Teatro D. Maria II ou na Cornucópia, até ir viver para França. Foi lá que nasceu Emmanuel, filho de actriz, sobrinho de actor e encenador. Quis o destino, os genes, a vivência ou a educação – sabe-se lá – que seguisse as pisadas familiares. Com sucesso. E que, com pouco mais de 30 anos, ganhasse um lugar ao sol no mundo teatral francês, assumindo, no ano passado, a direcção do Centre Dramatique de Reims, um dos principais teatros do país. Um feito que o tornou no mais jovem director de um Centro Dramático de França.

O criador está agora em Portugal para apresentar a peça «Six Personages en Quete D’Auteur», de Luigi Pirandello, no Festival de Teatro de Almada. O regresso do menino que passeava pelos corredores do Teatro da Comuna e que passava férias em Vila Nova de Milfontes tem lugar amanhã, no CCB. Um regresso que não é novo ao país que também é seu e que foi decisivo para a escolha
da profissão. «É uma sorte poder ter dois países. Sinto fundamentalmente que sou português e francês», explica ao Fim-DE-Semana num português perfeito.

Um tubo de ensaio chamado Alentejo
Foi na pacatez de Vila Nova de Milfontes que tudo começou. Ou talvez não. Talvez tudo tenha começado mais cedo, com as frequentes idas ao teatro desde muito novo, com o convívio com actores, músicos, encenadores e afins. Mas voltando a Vila Nova de Milfontes, a paragem alentejana onde Emmanuel passou grande parte da infância e da juventude e para onde se vai refugiar sempre que precisa de alguma paz. Foi aqui que ele e dois amigos decidiram que era altura de criarem uma companhia teatral. Tinham acabado o liceu. A entrada na faculdade de Filosofia estava prestes a acontecer. Aqui surgiu o embrião para a Compagnie de Théâtre des Millefontaines, um nome em homenagem ã vila. «Vou muito para lá, onde os meus pais têm uma casa. Estava lá num Verão, com dois amigos meus, quando decidimos criar a companhia e fundá-la com esse nome. Vila Nova de Milfontes era um sítio onde gostávamos de estar e de falar de teatro. Passávamos lá um ou dois meses e líamos muitos textos, discutíamos projectos conjuntos», conta. E este ritual não se perdeu durante os anos. É aqui que Demarcy-Mota e os membros da companhia pensam e discutem ideias. «Quando regressamos para França, em Setembro ou Outubro, o ano já está quase todo preparado», sublinha.

Por isso, começou no teatro ainda jovem. Os trabalhos da companhia tiveram êxito, nomeadamente «L’histoire du soldat», de Ramuz, a sua primeira encenação profissional, que apresentou também em Portugal, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1994. Seguiram-se outros textos de autores e o reconhecimento do público e da crítica. Quando tinha 24 anos, a sua companhia foi associada ao Théâtre de Ia Commune d’Aubervilliers, em Paris. A partir daqui começaram as criações anuais, o alargamento da companhia e os prémios. Cinco anos mais tarde, «Peine d’amour perdue», de William Shakespeare, valeu-lhe o prémio de revelação teatral atribuído pelo Syndicat National de Ia Critique. Estava encontrado um novo talento. Mudou novamente de teatro e transferiu-se de armas e bagagens para o Théâtre de Ia Ville (uma das estruturas mais importantes de Paris onde actuam nomes como Pina Bausch ou Bob Wilson), como encenador. Com ele levou a Compagnie de Théâtre des Millefontaines e uma equipa de fiéis colaboradores. Até que há um ano o ministro da Cultura francês convidou o encenador a assumir a direcção do Centre Dramatique de Reims. Um novo desafio na vida de um jovem que tinha acabado de cruzar a barreira dos 30. Para trás ficou o curso de Filosofia, que tirou em paralelo. Agora, os seus dias eram passados a «viver e respirar» teatro. Uma subida rápida, mas que se deveu também ao trabalho. «Desde os 21 anos que faço encenações. Já são dez anos de companhia. Para além disso, a minha vida inteira é dedicada ao teatro».

Foi no entretanto, em 2001, que criou «Six Personages en Quete D’Auteur», de Luigi Pirandello, que agora traz a Portugal. «Uma das grandes peças do século XX», na sua opinião que «coloca o mundo em cena». «Há uma forma de reflexão muito forte e muito bela sobre o acto de criação. Mas reflecte também sobre a questão da verdade porque a personagem pode ser mais verdadeira do que o homem mesmo não sendo real», explica.

Uma peça que é, também ela, fruto da vontade do encenador de contar histórias. «Isso é o mais importante para mim quando faço teatro. Sou encenador porque preciso de contar histórias. O mais fascinante é saber que há pessoas diferentes que respiram o mesmo tempo no mesmo momento. Estão a ver a mesma coisa mas cada uma à sua maneira». Um fenómeno que se repete e que não vai ser diferente na sala do CCB.

 

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