O Cómico no Festival de Almada

“A Festa” / “A Rua do Inferno”

De Spiro Scimone/Antonio Onetti
Encenação Gianfelice Imparato/Pepa Gamboa
Com Francesco Sframeli, Nicola Rignanese e Spiro Scimone/Carmen Léon, Lola Botello e Paqui Montoya
9 de Julho, 18h/11 de Julho, 21h30
Almada, Teatro Municipal de Almada – Sala Principal/Lisboa, Teatro Municipal Maria Matos

Sala cheia

“A Festa” a partir do texto de Spiro Scimone e “A Rua do Inferno” de Antonio Onetti foram dois dos espectáculos em cartaz na primeira semana do Festival de Almada, que se podem destacar pelas distintas propostas de exploração do cómico.

O dramaturgo siciliano Spiro Scimone é conhecido do público português pelas encenações que dele fizeram os Artistas Unidos. Mas, agora, foi a companhia do próprio, a Compagnia Scimone Sframeli, que apresentou “A Festa” (1997) na Sala Principal do Teatro de Almada.

Com uma grande economia de palavras e de gestos, a acção desenvolve-se numa abstracta cozinha esbranquiçada, onde se cruzam os três elementos de uma família e se trocam poucas palavras. A mãe sempre de avental e socas, o pai fisicamente boçal e o graúdo filho de cabelos oleosos. O dia é especial porque fazem 30 anos de casados. A festa impõe-se… A mãe encarrega-se de comprar um bolo, incumbindo o pai da garrafa de espumante.

A encenação de Gianfelice Imparato trabalha o corpo como símbolo, fixando a postura e o gesto de acordo com o corpo social a que procura aludir. O filho, de cócoras, tão pronto a atacar negócios inomináveis como as mulheres que leva à noite para o seu quarto. O pai, com o tronco inclinado para trás, enfatizando a presença da sua saliente barriga alcoólica. E a mãe, sobriamente interpretada sem trejeitos feminizados pelo próprio Scimone, com a cabeça de lado e as mãos unidas sobre a barriga, vencida por uma vida sem outro objectivo que não o de zelar por esta família.

Igualmente do sul da Europa é a dramaturgia do andaluz Antonio Onetti, cuja peça “A Rua do Inferno” (2001) foi apresentada no Teatro Maria Matos, numa encenação de Pepa Gamboa. Mas este espectáculo acaba por não suscitar o interesse do anterior. O principal problema parece residir sobretudo na encenação, embora também se possa, por vezes, questionar a interpretação.

Três empregadas do supermercado Superplan, da Macarena, partilham com os espectadores as suas ambições e frustrações. O prémio de um concurso de sevilhanas é individualmente percebido como a solução para as suas vidas. Mas só duas podem concorrer, pelo que Juani tem de decidir se o faz com Toñi ou Paqui. As indiscrições começam.

A canção entoada pelas três actrizes, vestidas com o traje de flamenco e visivelmente bêbadas, apoiadas umas nas outras, é um bom início que logo se perde. De facto, raros são os momentos em que o cómico surge de forma consequente. Como a cena em que elas estão a repor produtos no supermercado, sugerido pelo movimento de braços repetitivo, enquanto põem os mexericos em dia.

Porém, há uma ideia pré-estabelecida do cómico, que impõe o riso no lugar de o ir sugerindo com o espectáculo. Ao público não é dado espaço para a sua descoberta. E a fisicalidade das actrizes resulta pouco convincente não por ser histriónica, mas porque denuncia a vontade explícita que encerra: fazer rir.

Paulo Trindade
in Público, 14 jul 2003

mostrar mais
Back to top button