Noite de Reis, A ilha dos amores (e do plástico)

Está aí mais uma edição do Festival de Teatro de Almada. Destaque, nesta primeira semana, para a comédia de Shakespeare Noite de Reis encenada pelo alemão Peter Kleinert

Cláudia Marques Santos in Visão 30 Junho 2022

Há uma grande palmeira branca à direita do palco, que parece feita de papel; quase tudo é branco neste cenário estilizado que está aqui para representar salas de opulência. Ao fundo, é muitas vezes projetada a vista para o mar. Percebe-se rapidamente que esta será uma versão muito contemporânea da Noite de Reis, de William Shakespeare, que começou a ser preparada, com a Companhia de Teatro de Almada, para a edição de 2020 do Festival de Almada e foi adiada por causa da pandemia. Encenado pelo alemão, muitas vezes apelidado de discípulo de Brecht, Peter Kleinert, será um espetáculo muito musical (à semelhança de A Boa Alma de Sé-Chuão, de Brecht, que o encenador apresentou em 2018 neste mesmo festival).

“O que primeiro penso sempre que preparo uma peça que é antiga – e esta tem SOO anosé na forma de a transferir para o presente, para a cultura atual”, diz-nos Peter Kleinert. “Isso vê-se na música, na forma de pensar as personagens, na velocidade da peça, e vê-se, também, nas questões de hoje: por exemplo, o que é o género?” Nesta paródia de costumes, Viola dá à costa de Ilíria, depois de um naufrágio, e pensa que o irmão gémeo não sobreviveu. Para se proteger, disfarça-se de homem e é contratada pelo conde Orsino, apaixonado pela princesa Olívia – que não tem os mesmos sentimentos por ele…

Há, ainda, o contraste entre as pessoas que estão sempre a festejar e quem é obcecado pela ordem. “Depois do amor, essa é a segunda questão presente no espetáculo”, explica Kleinert. “Isso é especialmente interessante porque comecei a trabalhar nesta peça há mais de dois anos e a verdade é que em março de 2020 o mundo tinha muito mais ordem do que agora…” Houve a necessidade de abordar, de alguma forma, o crescimento dos populismos e da extrema-direita. E nem a poluição e as alterações climáticas foram esquecidas. “Em palco vemos uma ilha feliz mas cheia de plástico. Temos visto nos noticiários imagens semelhantes…’

mostrar mais
Back to top button