‘MOMO’ de Ohad Naharin | Batsheva Dance Company
15 Julho 2023 | notícia online
in erreguetéO teatro está cheio e as pessoas, enquanto não começa o espetáculo, falam entre elas. Há um barulho subtil e alegre na sala. Se calhar, essa alegria de quem se sabe no luxo de estar aqui, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, Lisboa, para ver uma das companhias mais conceituadas do planeta. Essa alegria de ter tempo e dinheiro para poder desfrutar disto. Então entram em palco quatro homens de calças cinzentas, com o torso descoberto, que caminham em uníssono, e faz-se silêncio, devagarinho, na enorme plateia.
Acaso são eles os representantes do Banco do Tempo de Momo de Michael Ende? Aqueles homens que estão aqui para que poupemos tempo, para que não percamos tempo, para que não haja arte nem lazer. Os promotores deste tempo produtivo e de consumo são contrariados. Embora este bailado de Ohad Naharin se intitule Momo, estes quatro bailarinos, nesse uníssono hipnótico, são o contrário, parecendo um convite a entrada no mundo dos sonhos, das evocações e até da fantasia.
O coro dos quatro homens vai funcionar, toda a peça, de uma maneira quase independente, no que diz respeito à diversidade das outras sete bailarinas e bailarinos, que vão aparecendo em palco, embora haja algumas pequenas interações entre eles. A uniformidade e o uníssono do coro dos quatro bailarinos, nas suas diferentes frases físicas, face às diversas individualidades das outras pessoas, que trazem uma dança que, por vezes, também se harmoniza com os mesmos movimentos, como também tem prioridade a diferença. Nesse grupo díspar temos um bailarino vestido com roupa de bailarina, com o tutu de bailado clássico, a reproduzir alguns desses passos; outro bailarino com uma malha rosa que lhe cobre meio corpo; e outros elementos dos quais os figurinos relativizavam a questão de gênero.
Em conclusão, atrever-me-ia a dizer que a coesa poética de Ohad Naharin em Momo é um convite para alargar e estender o tempo fora de preocupações quotidianas, de ideologias e posicionamentos políticos. Uma porta aberta ao prazer mais vinculado à espiritualidade, promovido por um movimento que, exceto nalguns contrapontos subtis, se apresenta quase como uma dança litúrgica.
(Agradecimentos à amiga Maria José pela ajuda com a correção linguística deste artigo.)
MOMO de Batsheva Dance Company
Criação: Ohad Naharin
Co-criadores: Bailarinos e Ariel Cohen
Intérpretes: Chen Agron, Yarden Bareket, Billy Barry, Yael Bem Ezer, Matan Cohen, Guy Davidson, Bem Green, Chiaki Orita, Li-En Hsu, Sean Howe, Londiwe Khoza, Adrienne Lipson, Ohad Mazor, Eri Nakamura, Gianni Notarnicola, Danai Porat, Igor Ptashenchuk e Yoni (Yonatan) Simon
Luz: Avi Yona Bueno (Bambi)
Som: Maxim Waratt
Cenografia e adereços: Gadi Tzachor
Figurinos: Eri Nakamura
Música: Lauri Anderson e Kronos Quartet
Texto acerca da obra: Shira Vitaly
40º Festival de Almada. Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Lisboa, 14 de julho de 2023.