Festival de Teatro de Almada, uma programação intensa entre 3 e 26 de julho

Emoções à flor da pele e consciência coletiva, são os temas que o 37º Festival de Almada apresenta para este ano atípico de 2020 em que se homenageia o ator Rui Mendes.

Cláudia Paiva Silva in Revista RUA 02 Julho 2020

Num ano intenso, o Festival de Teatro de Almada apresenta em 2020 uma programação intensa. Ao todo são 17 os espetáculos apresentados nesta nova edição do Festival de Teatro de Almada, entre 3 a 26 de julho, em colaborações com várias outras equipas de teatros nacionais e internacionais. Os temas passam desde a sexualidade à juventude, gentrificação e herança colonial, racismo e preconceito de género, violência doméstica e psicológica, não esquecendo o populismo que deve estar sempre presente na nossa memória histórica de forma a evitar erros num futuro talvez próximo demais.

Para começar já no dia 3 de julho, em três espaços distintos (Sala Principal e Sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite e Salão de Festas da Incrível Almadense), e com número limitado a metade de público, são apresentadas as peças Bruscamente no Verão Passado, de Tennessee Williams, com encenação de Carlos Avilez, Mártir de Marius von Mayenburg com encenação de Rodrigo Francisco e A Grande Emissão do Mundo Português pelo grupo Teatrão de Coimbra.

Uma questão entre a moralidade e direitos humanos

O que a peça de Williams tem de gótico a grotesco tem também de fraturante. Estreada em 1958 foi amplamente criticada pela subtileza nada subtil com que mencionava temas tabu como a homossexualidade e loucura. Numa breve analogia à realidade dos tempos mais recentes, interrogamos até que ponto as personagens que teimam esquecer ou evitar falar sobre o que as atormenta ou sobre o que acham que não devem, não são idênticas a tantos de nós, que evitamos determinados assuntos ou posturas ainda socialmente não aceites.

Mártir ©Rui Mateus

Já em Mártir, entramos num mundo claramente atual e assustador, potencialmente um verdadeiro murro no estômago à medida que se desenrola a ação. Se por um lado o nosso intelecto coloca em causa santos e deuses, também nos leva a um mundo egocêntrico, onde o Homem é o centro do Universo. Num crescendo de beatice e interpretações bíblicas erradas, um jovem adolescente, dotado de uma sensibilidade extrema e de um intelecto desajustado a um presente onde se prega o sucesso pessoal por vídeos na internet e participações em programas de televisão, sente-se na obrigação moral de expiar os pecados de outros, garantindo assim um lugar de ascensão religiosa. Para tal, colegas e professores são postos em causa, tornando-se elementos a abater. Da mesma forma, poderá o espectador observar a forma como os agentes de educação e família conseguem passar ao lado de toda uma nova ideologia, passando as culpas sempre para fora do contexto. Como tal e como a realidade nos explica e mostra, o fundamentalismo e tolerância religiosa nem sempre andam de mãos dadas e tendem a culminar em eventos que alteram toda uma vida.

Finalmente, em A Grande Emissão do Mundo Português, é fácil perceber que falamos do Estado Novo, numa época em que cultivar o “povo” na verdade passava por mantê-lo na ignorância, alimentando o intelecto com episódios de variedades, aportuguesando as histórias e sons que nos chegavam de fora, entre períodos de guerra e paz – algo que as pessoas gostavam e não as pudesse aborrecer. Ao mesmo tempo, ditava-se a doutrina de um Portugal de Fado, Futebol e Fátima, dentro dos bons costumes, e acima de tudo de amor à Pátria estendendo-se às então colónias nacionais. Neste segundo capítulo da Casa Portuguesa, saga teatral criada pelo Grupo Teatrão em Coimbra, conta-se a história de um programa da Emissora Nacional que durante largos anos foi a voz do regime e do Chefe de Estado. Num atual contexto de populismo crescente a nível mundial e também nacional, onde as pessoas ouvem exatamente aquilo que querem ouvir, dito por alguém que sabe exatamente o que dizer, ao mesmo tempo que os extremos políticos entram pelas casas (e ouvidos) dentro, em mensagens nas entrelinhas, focamos na influência que os órgãos de comunicação social têm sobre as escolhas de um país e de cada um cidadão, nos seus gostos e princípios morais.

E assim, logo com três peças fortes, inaugura-se um Festival que mais do que entreter nos levará a pensar no início de um sétimo mês de 2020 que se tornou tão curto e, ao mesmo tempo, tão longo, entre epidemias, convulsões políticas e sociais.

mostrar mais
Back to top button