Benno Besson sobe ao palco em Almada

Colaborador de Bertol Brecht contou a A CAPITAL porque é que ainda tem tantas coisas para fazer, após 60 anos de teatro

Sonia Lamy Almada in A Capital, 13 jul 2003

Um dos pontos altos do Festival de Teatro de Almada prepara-se para subir ao palco já hoje, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. O Amor das Três Laranjas, uma adaptação de Edoardo Sanguinetti, do texto original de Carlo Gozzi, e O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, são as peças que entrarão em cena, entre hoje e quarta feira, no âmbito do Festival de Teatro de Almada. Encenadas por Benno Besson, nascido na Suíça, em 1922, as peças são fruto de 60 anos ao serviço dos palcos.

Durante quase dez anos Benno Besson trabalhou cori;Bertol Brecht, foi o colaborador privilegiado do dramaturgo, encenador e poeta. Passados quase dez anos de Brecht encenar O Círculo de Giz Caucasiano, é agora Besson quem rapta a peça e a coloca nos palcos, juntamente com O Amor das Três Laranjas, um texto adaptado por Saguinetti, “um maravilho poeta que tem feito um excelente trabalho”, sublinhou Benno Besson, em declarações a A CAPITAL. Ambas as peças são co-produção do Teatro Stabili Del Veneto Carlo Goldoni e do Teatro de Génova, e colocam em cena figuras grotescas, actores com máscaras e narizes grandes, transportando o espectador, por vezes, para cenas da tragédia grega.

Em todo o percurso de Besson, Brecht, com quem se encontrou pela primeira vez em 1948, em Zurique, é uma espécie de guia na sua carreira. “Foi Brecht quem me deu os critérios do trabalho”, sublinha de forma convicta. Cada vez que fala do “mestre”, Besson faz questão de referir as qualidades que o caracterizavam: “Brecht era um homem muito generoso, nada dogmático”. “Brecht chegou mesmo a recusar assinar um espectáculo comigo, onde eu achava que devíamos, partilhar a autoria, mas ele insistiu e disse que tinha apenas ajudado a fazer aquilo que eu lhe tinha dito para fazer”, lembrou Besson.

Talvez pelo especial significado de Bertold Brecht na sua vida é O Círculo de Giz Caucasiano que considera merecer maior destaque. “É a minha peça de eleição, é a que mais gosto”, confidenciou Besson, acrescentado contudo que O Amor das Três Laranjas é também um magnífico texto. O encenador contou que O Amor das Três Laranjas, encenado pela primeira vez em 1761, tem influências da Commedia deli Arte e do teatro grego. Na peça, o filho do rei, Tartaglia, é condenado por uma fada – Morgana – a apaixonar-se por três laranjas, das quais sairão três raparigas. O protagonista acaba por se apaixonar por uma delas e no final o amor triunfa. Este espectáculo começou a ser construído em 2001, para a Bienal de Veneza e, foi durante a digressão do espectáculo, que Besson propôs aos actores montar também O Círculo de Giz Caucasiano. Deste modo os ensaios foram decorrendo até à estreia em Génova, em Março de 2003.

Em 1978, Besson tinha já encenado esta espécie de odisseia, escrita no final da II Guerra Mundial, onde as personagens são postas à prova. Deve o filho do general assassinado, salvo pela camponesa Grucha, ficar com a mãe biológica, que o abandonou, ou com a mãe adoptiva, que lhe salvou a vida? É Azdak, juiz, que decide a sorte do filho do general através do “jogo do círculo de giz”, onde as duas mulheres devem puxar a criança, e onde Grucha desiste por temer magoá-lo.

Besson utiliza a máscara em todas as personagens destes dois trabalhos. Para o encenador “a máscara distancia os actores e os espectadores da personagem e permite ao próprio actor confrontar-se com a personagem”.
“A verdade é que a personagem é mais importante do que o actor e, se o rosto estiver descoberto, o actor fica à frente da personagem. Contudo com a máscara é a personagem que se torna mais importante”, sublinhou Besson acrescentando ainda: “há três séculos que já não se usam máscaras mas isso não tem de ser necessariamente positivo”.

A definição de teatro é um papel que se nega a interpretar. “A definição de teatro merecia um livro, mas esse não é o meu papel… eu apenas o faço”, afirmou, explicando o modo como interpreta o que faz: “eu jogo com todos aqueles que aceitam fazê-lo. O público desempenha um papel fundamental, é tão importante como a própria peça, porque a peça não existe sem o público… é o público que permite a existência do teatro ao aceitar jogar esse jogo que eu preparei”.

Benne Besson tem projectos por concretizar mas opta por não levantar, para já, o pano. “Ainda não há nada em concreto, mas concerteza que ainda não fiz tudo o que desejo, contudo não tenho certezas formadas acerca de próximos trabalhos”.

No ar o encenador deixa apenas um desejo: “que o teatro exista sempre, e seja protegido, já que a tendência é para desaparecer. Com a televisão, o cinema, com a realidade virtual e a internet, o teatro está cada vez mais em perigo”.

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