Almada | A sorte que tivemos!

Uma peça sobre o 25 de Abril para ver na Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite, de 12 de Abril a 5 de Maio, de 5ª a Sábado às 21h e, Quartas e Domingos às 16h

Sofia Quintas in Almada oinline 12 Abril 2024 | notícia online

A Companhia de Teatro de Almada (CTA) associou-se às comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, e pediu a quatro escritores que escrevessem quatro textos: António Cabrita, Jacinto Lucas Pires, Patrícia Portela e Rui Cardoso Martins. Graças ao 25 de Abril cada um escreveu como quis, e o que lhe apeteceu. O espectáculo chama-se “A sorte que tivemos!”, tem música original de Martim Sousa Tavares e encenação de Teresa Gafeira.

A acompanhar a carreira do espectáculo haverá as habituais Conversas com o Público, aos Sábados, às 18h, no foyer do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB). Estas Conversas são organizadas em parceria com o arquivo Ephemera. Dia 12 é também inaugurada uma nova exposição na Galeria do TMJB intitulada “A explosão da Liberdade pelos Olhos do Teatro”, que estará patente até 16 de Junho com entrada gratuita. No dia 13 de Abril, às 15h e às 16h, há mais uma oficina para a infância. “Queremos Liberdade!” é uma oficina-manifestação, por Paula Barroso e Fernando Carvalho. Saiba tudo aqui.

“Um espectáculo sobre 25 de Abril de 74, óbvio em 2024. Menos óbvio é como pegar nisso. O que dizer, como dizer, a quem dizer. O actor, em cena, deve sempre saber quem é o seu interlocutor, o espectáculo deve saber a quem se dirige. O actor, assim situado, verá brotar as palavras e os gestos com uma eficácia quase garantida sobre o interlocutor. Assim deveria ser com o espectáculo. A quem nos queremos dirigir? A quem viveu o antes de Abril, a quem viveu intensamente Abril, a quem Abril soa a uma coisa do antigamente? Diria que o público preferencial seria este último. E que dizer? “Não sabem a sorte que tiveram em nascer depois do 25 de Abril”. Porque havia a guerra, claro, porque havia a Pide, claro, porque não havia muita coisa. E porque havia uma coisa que é difícil explicar. Um mal-estar, uma ansiedade, uma apatia, um sentimento de culpa, enfim, uma depressão colectiva? E dizer que por muitas voltas que a História dê ou que nós dêmos à História esta doença nunca mais foi a mesma desde esse dia de lunáticos, sonhadores?

A CTA pediu a quatro autores que os ajudassem a dizê-lo. O resultado foi surpreendente. Cada um diz a coisa à sua maneira, o que na verdade era de esperar, e graças ao 25 de Abril (e não a Deus), diz o que lhe apetece.” O texto é da encenadora Teresa Gafeira e explica a génese desta criação da CTA, que foi um desafio da Câmara Municipal de Almada (CMA) à companhia, que seguidamente desafiou os quatro escritores já mencionados.

“O tributo que nós prestamos ao cinquentenário do 25 de Abril é inteiramente justificado”, porque, “se não houvesse 25 de Abril, o movimento do teatro independente que se segue na segunda metade da década de 1970 não teria existido, e nós vimos daí”, disse Rodrigo Francisco, director artístico da CTA, na apresentação da programação da companhia para 2024.

Em vésperas de estreia, Teresa Gafeira afirmou à Lusa que gostava que o público saísse da peça “com a ideia do que está no título”. “Que pensassem na sorte que tivemos por nascer depois do 25 de Abril”. Admitindo limitações do teatro para a parte documental, no que considera trabalho de “historiadores e sociólogos”, para o qual o teatro tem limites, Teresa Gafeira disse: “Já sou velha e ainda há pessoas da minha idade que viveram aquilo e sabem o que foi antes e depois [sobre o golpe que depôs a ditadura].

Teresa Gafeira disse ainda esperar que a maior parte do público da peça “não sejam pessoas de 70 anos”, mas “pessoas mais novas”. “Pessoas que não sabem nada sobre o que se passava, nem têm a mínima noção nem do que foi a Revolução dos Cravos, nem do que ela nos permitiu”, sublinhou.

“As pessoas não falavam, tinham medo”, frisou. “Sabiam, mas não podiam dizer que havia não sei quantos presos políticos. […] Era tudo assim”. Hoje, às pessoas, nem “lhes passa pela cabeça” como era. Sem falar de heróis, sejam “políticos ou militares”, “A sorte que tivemos!” põe em palco “o que existia antes do 25 de Abril, como a PIDE, a repressão e o mal-estar vivido pelas pessoas”, observou.

Sem descartar que nos tempos que correm também existe alguma autocensura, como afirma, que se “paga do ponto de vista económico”: porém, nos dias de hoje, “posso perder uma oportunidade, posso viver mal, viver um bocadinho pior, mas não vou presa. E isso faz toda a diferença”, enfatizou. Por isso sublinha que é necessário que as gerações mais novas saibam “a sorte que tiveram por nascer depois do 25 de Abril”.

A acção temporal de “A sorte que tivemos!” vai do Estado Novo até à actualidade. Imagens de Salazar, do cardeal Cerejeira, de Marcelo Caetano, do embarque de soldados para a guerra colonial em navios que zarpavam do Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, sem esquecer os acenos de lenços brancos das mães e mulheres que viam partir filhos e maridos, marcam também o espectáculo nos pequenos filmes exibidos ao longo da acção.

Cenas de procissões, o desembarque de tropas nas então províncias ultramarinas e imagens de confrontos ou dos mortos e feridos da Guerra Colonial mostram-se também em imagens, enquanto os actores vão assumindo papéis que perpassam a acção temporal: do informador da PIDE, ao pai que viu o filho partir para a guerra na Guiné, à jovem revoltada que o pai mandou estudar para um colégio de freiras.

Um piano, uma secretária, um computador, alguns retângulos e um pequeno piso a um nível superior completam a cenografia concebida por Sérgio Loureiro.

©Rui Carlos Mateus / CTA / A CTA pediu a quatro escritores que escrevessem quatro textos: António Cabrita, Jacinto Lucas Pires, Patrícia Portela e Rui Cardoso Martins

Ficha Técnica:

Companhia de Teatro de Almada
A Sorte que tivemos!
Textos: António Cabrita, Jacinto Lucas Pires, Patrícia Portela e Rui Cardoso Martins
Encenação: Teresa Gafeira
Interpretação Carolina Dominguez, Cláudio da Silva, David Pereira Bastos, Duarte Grilo, Flávia Gusmão, Joana Bárcia, João Farraia, João Maionde, Pedro Walter e Íris Cañamero e Matilde Santos (estagiárias ESTC)
Música original: Martim Sousa Tavares
Cenografia e figurinos: Sérgio Loureiro
Desenho de luz: Guilherme Frazão
Vídeo: José Pires
Movimento: Cláudia Nóvoa
Piano: Ana Isabel Santos
Saxofone: André Marques
Sousafone: Pedro Pereira
Percussão: Hélder Silva
Assistência de encenação: Ana Valente
Apoio: Antena 2
Classificação: M/14 (menores de 14 podem assistir, desde que acompanhados por um adulto responsável)

Preço: entre 6,50€ e 13€ (Clube de Amigos: entrada livre)

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©Rui Carlos Mateus / CTA / Haverá as habituais Conversas com o Público, aos Sábados, às 18h, no foyer do TMJB.

Exposição “A explosão da Liberdade pelos Olhos do Teatro”

Na Galeria de exposições do TMJB, é inaugurada também a dia 12 a exposição “A explosão da Liberdade pelos Olhos do Teatro”, que pode ser visitada de Quinta a Sábado das 19h às 21h30 e aos Domingos das 13h às 19h. Estará patente até dia 16 de Junho, e a entrada é gratuita.

Após o 25 de Abril de 1974 houve uma verdadeira explosão de liberdade que se manifestou de múltiplas formas, das quais o teatro é um exemplo particularmente vivo. Desde o teatro de arte até à ‘revista à portuguesa’, de cariz mais popular e satírico, poderá ver no foyer um conjunto de cartazes e capas dos programas das numerosíssimas peças, com alcane político e social, muitas delas abordando temas da actualidade de então, que os mais diversos grupos levaram à cena na segunda metade da década de 70. O absoluto surto de liberdade que se viveu nesses anos constituiu uma verdadeira ‘anti-censura’, da qual esta exposição dá alguns exemplos.

Nesta exposição aborda-se em detalhe o caso concreto do Grupo de Teatro de Campolide, que esteve na origem da Companhia de Teatro de Almada. Este grupo amador tinha estreado o seu primeiro espectáculo, “O avançado centro morreu ao amanhecer”, a 24 de Abril de 1971, exactamente três anos antes da madrugada do “dia inicial inteiro e limpo”. “Fulgor e morte de Joaquim Murieta”, com texto de Pablo Neruda e encenação de Joaquim Benite, criada já em liberdade, foi a peça com que o ‘Campolide’ se inscreveu na Revolução em curso. Na primeira metade de 1975, fez mais de sessenta representações por todo o País, algumas das quais integradas nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.

A mostra olha para o País com que os soldados do MFA e os artistas que participaram nessas campanhas se depararam, entre 1974 e 1975. No interior de Portugal vivia uma população que, nalguns casos, jamais tinha assistido a qualquer tipo de manifestação artística. Faltavam estradas, infraestruturas e saneamento básico, e assistência médica e veterinária. Nunca se tinha votado em liberdade. A partir de um conjunto de fotos e vídeos dessas campanhas, bem como de alguma documentação militar “reservada” até há pouco tempo, José Manuel Castanheira concebeu a metáfora de uma sala de aula, das muitas escolas de província onde os militares do MFA foram com os artistas das cidades, participar na construção de um País novo.

Ficha Técnica

Co-apresentação: Arquivo Ephemera / CTA
Documentação: José Pacheco Pereira e Rita Maltez
Concepção plástica: José Manuel Castanheira

 

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