Fés unidas na peça Nathan, o Sábio

Ao encenar Nathan, o Sábio, que Lessing escreveu no século XVIII, Rodrigo Francisco diz que está "a fazer serviço público". Em estreia no dia 9, põe em sintonia três religiões habitualmente antagónicas

Rita Bertrand in Sábado, 09 Dez 2017 | notícia online

Em Portugal, poucos conhecem Nathan, o Sábio – clássico alemão (nos programas escolares, como o “nosso” Frei Luís de Sousa) que este sábado, 9, estreia no Teatro Joaquim Benite, em Almada – porque, além de nunca ter sido representado no País, a sua última tradução tinha mais de cem anos. Porém, Yvette K. Centeno publicou uma nova, que enviou a Rodrigo Francisco, director da Companhia Teatral de Almada, inspirando-o a pegar nela, embora, como revelou ao GPS, nunca se tenha interessado antes pelo assunto, talvez por ser “completamente ateu”.

Não por acaso, é um texto recorrentemente recuperado, sempre que a História o exige: “É um elogio da tolerância, revolucionário na época em que foi escrito, e foi a primeira estreia em Berlim, no fim do Holocausto [depois de ter estado proibido durante anos, pelos nazis, tal como o esteve em Portugal, pela censura de Salazar] e, na América, foi muito encenado a seguir ao ataque às Torres Gémeas…”
A história é engenhosa: “Lessing foi um estudioso do teatro e também um renovador, que cortou com a tradição francesa, então em voga, e foi buscar os ingleses, com Shakespeare à cabeça.” Nathan, o Sábio foi claramente influenciado pelo bardo e por isso – apesar do tema sério e do estilo denso – “é uma espécie de Cluedo, onde se tenta desvendar um mistério”.

Tudo começa quando o comerciante judeu e rico Nathan (interpretado por Luís Vicente, da ACTA, mas com ligação de décadas ao grupo de Almada) chega de viagem e descobre que a filha quase morreu num incêndio, mas foi salva por um cavaleiro templário, cristão (André Pardal), o qual por sua vez tinha sido preso e misteriosamente libertado, sem se saber porquê, pelo chefe militar muçulmano Saladino (João Tempera). Portanto, há que apurar o que aconteceu – com discussões teológicas pelo meio, nomeadamente sobre os perigos de ler as escrituras de forma literal, como, por exemplo, “que a rapariga não devia ter sido salva, se a vontade de Deus era que morresse”. O objectivo de Lessing, cristão protestante, dramaturgo de um século – o XVIII, do Iluminismo – marcado por um profundo ódio aos judeus, é claro: “Ele prova que os laços que unem as três religiões, todas monoteístas, com origem no patriarca bíblico Abraão, são mais fortes do que imaginam.” No caso da peça, até consanguíneos: a filha de Nathan – revela-se – é adoptiva.

Para o papel da sua ama, uma criada cristã, que às vezes parece mãe, outras governanta da casa – e que Lessing criou ambígua, insinuando uma proximidade duvidosa com o patrão judeu – Rodrigo escolheu Maria Rueff, a qual, ao ali apresentar António e Maria na última temporada, lhe disse que gostava de trabalhar mais no teatro almadense, “que encontrou cheio de vida, com conversas muito concorridas, aos fins-de-semana, a partir de temas das peças em cena”.

A experiência tem sido “enriquecedora para todos”, garante o encenador, que faz questão de fazer “um trabalho contra a corrente, com grandes clássicos, geradores de pensamento e debate de ideias, em vez de entretenimento puro”, o que considera “serviço público” – mas bem embrulhado, atenção: a cenografia é do artista Pedro Calapez, os figurinos de António Lagarto e o elenco completa-se com mais nomes de relevo, de André Gomes a Tânia Guerreiro e de Guilherme Filipe a João Farraia e Leonor Alecrim.

mostrar mais
Back to top button