PORTUGAL E SUL DA EUROPA

O espectáculo ao vivo perturbado pela crise

Em plena crise económica, o meio do espectáculo ao vivo português questiona-se sobre o seu futuro. Na Grécia e em Espanha, as dificuldades também estão a crescer.

Um dos eventos mais importantes do teatro português, o Festival de Almada, realiza-se na pequena cidade suburbana separada de Lisboa pelo rio Tejo. Este encontro realiza-se todos os meses de Julho desde 1984. Tal como a maioria dos agentes culturais do país, a Companhia de Teatro de Almada, que organiza o Festival e gere igualmente o Teatro Municipal, teve restrições orçamentais impostas por estes tempos de crise. Este ano, o orçamento do Festival, de 580 mil euros, desceu em relação ao ano anterior, com menos 150 mil euros por parte do Ministério da Cultura. O evento tem também o apoio da Câmara Municipal de Almada e do organismo que tutela o Turismo de Lisboa e Vale do Tejo. Mesmo assim, foram acolhidas 27 peças este Verão, das quais 11 foram estreias e uma dezena de criações estrangeiras (Cercles/Fictions de Joël Pommerat, I am the wind de Patrice Chéreau, Amnésia de Fadhel Jaïbi e Jalila Baccar…). Esta presença internacional é em parte possibilitada pelo apoio de institutos estrangeiros, como o Goethe Institut ou o Institut Français, que este ano contribuiu com 25 mil euros. Outra ideia para continuar a oferecer uma programação consistente é a de o Festival, que mantém o Teatro de Almada e a escola adjacente como palcos principais, se ter associado aos teatros de Lisboa, Porto e Coimbra. “A deslocalização do Festival foi feita por razões financeiras”, observou Joaquim Benite, encenador e director do Festival, porque a organização propõe uma assinatura de 70 euros que dá acesso à totalidade dos espectáculos e não quer aumentar os preços.

Incertezas
Para a programação desta temporada do Teatro Municipal de Almada, a hora é também de prudência. Este Verão, ela só estava anunciada até Dezembro, uma vez que não se sabia ainda o orçamento para 2012. Com efeito, a mudança de Governo, que passou dos socialistas para uma coligação de centro-direita (Partido Popular – PP e Partido Social Democrata – PSD) na Primavera passada, levou à substituição do Ministério da Cultura por uma Secretaria de Estado, dirigida por Francisco José Viegas (PSD). Até agora, não foi anunciada nenhuma política que diga respeito aos financiamentos dos espectáculos ao vivo, deixando os agentes culturais na expectativa. “Não pode ser pior do que o Governo anterior”, observa Rodrigo Francisco, director-adjunto do Festival de Almada. A anterior ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, atraiu, de facto, a ira do mundo cultural através da realização de numerosos cortes nos financiamentos das estruturas e das companhias. As instituições mais importantes foram igualmente afectadas. “No ano anterior, a ajuda acordada com o Estado baixou 15%”, constata Gabriela Cerqueira, assessora para a programação do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Esta entidade privada de interesse público, cujo orçamento é financiado em 50% pelas suas actividades comerciais, viu igualmente os apoios estatais diminuírem.
A criação não é poupada. Manuel Wiborg, actor, foi director de uma companhia subvencionada pelo Estado entre 1997 e 2008. E não deseja passar novamente pela experiência de direcção, graças à precariedade que ela implica. Como os seus colegas na peça Do amor, criada para o Festival de Almada por Solveig Nordlund, Manuel Wiborg tem um segundo emprego. “Nós não podemos viver da profissão de actor, pois não temos nenhuma garantia a longo prazo”, assegura. Quer sejam professores de teatro ou actores de televisão, poucos actores, nomeadamente os mais jovens, escapam ao segundo emprego.

Grécia e Espanha igualmente afectadas
Luis Miguel Cintra, encenador, actor habitual de Manoel de Oliveira, e director do Teatro da Cornucópia, em Lisboa, afirma também encontrar dificuldades na criação. O seu depoimento sobre o mundo da cultura é severo: “Após a Revolução dos Cravos, em 1974, as nossas companhias foram criadas com o ideal de uma actividade artística que estava contra o mercado, e que insistia na necessidade da tomada de decisões em colectivo. Isto criou uma conivência com um público culturalmente militante, mas também conduziu as companhias à dependência do Estado e das Câmaras, cuja preferência vai actualmente para as produções de grande público e que custem o menos possível”, nota. Para o futuro, Manuel Wiborg teme que o Governo privilegie algumas entidades emblemáticas da sua política cultural, em detrimento das pequenas estruturas. “A cultura não parece ser uma prioridade para a opinião pública, que se questiona sobre por que é que o dinheiro não é aplicado na criação de emprego ou na saúde, e o Governo poder-se-á apoiar nestes argumentos”, faz notar por seu lado Luis Miguel Cintra.

La Scène
in La Scène, 29 set 2011

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