41. º Festival de Almada: “cidade do teatro” recebe Brecht, liberdade e Palestina

Da reflexão sobre trabalho e relações precárias à reinterpretação de Shakespeare com 150 marionetas, do burlesco ao clássico, o Festival de Teatro de Almada regressa este ano em força.

Mariana Vaz de Almeida in Almadense 17 Junho 2024 | notícia online

De 4 a 18 de julho, Almada volta ser palco de espetáculos de teatro, dança, música, marionetas, malabarismo e cabaret na 41. ª edição do Festival de Teatro. Bob Wilson, Lucinda Childs, Olivier Py, Olga Roriz ou Peter Stein são algumas das presenças em destaque na edição de 2024 do festival. Uma reinterpretação de Shakespeare com 150 marionetas ou a atualidade inesperada d’”A Mãe Coragem”, de Bertolt Brecht, são outras das 19 sugestões para este ano.

“Uma vez mais, temos uma programação de grande qualidade e diversidade”, salientou  a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, em declarações ao ALMADENSE. Num ano em que se celebram os 50 anos de Abril, a autarca destacou ainda a capacidade do teatro para “fomentar a reflexão” e elogiou a “vitalidade fantástica” que o Festival mantém na sua 41.ª edição, consagrando Almada como “a cidade do teatro”.

Marcado ao longo dos anos pela sua diversidade, o Festival de renome traz novamente Robert Wilson ao Centro Cultural de Belém, em Lisboa, desta vez acompanhado pela coreógrafa Lucinda Childs. Figuras maiores do pós-modernismo norte-americano, revisitam em “Relative Calm” uma obra que já tinham trabalhado nos anos 80 e que marca o reencontro da dupla criativa. Em cena a 12 e 13 de julho, será “certamente um dos momentos altos do festival”, Rodrigo Francisco, diretor do evento, durante a apresentação da programação deste ano que decorreu na sexta-feira, dia 14 de junho, no Convento dos Capuchos.

“A Tempestade” de Shakespeare chega com a Compagnia Marionettistica Carlo Colla & Figli, a mais antiga do mundo, reconhecida pela sua originalidade e perícia. No palco do Fórum Municipal Romeu Correia, 12 marionetistas darão vida a 150 marionetas, algumas com mais de um metro de altura, a 6 e 7 de julho.

Da Itália chega também, a 13 e 14 de julho, “Crise de nervos”, três atos de Anton Tchecov trabalhados por Peter Stein e interpretados por atores de excelência, entre os quais Madalena Crippa. “É um trabalho que mostra a simplicidade do teatro, e que, como Peter Stein costuma fazer, põe em cena a alma humana”, referiu o diretor artístico.

“E agora, Miss Knife tem um par…” conta as aventuras e desventuras do alter-ego de Olivier Py que, ao longo de toda a sua carreira teatral, se fez acompanhar da fogosa artista de burlesco, sua outra face. Agora emparelhada com um virtuoso pianista, a atiradora de facas vem ao palco grande do Teatro Municipal Joaquim Benite contar histórias de amor, desilusão e music-hall onde não faltam o humor e a melancolia, a 8 de julho.

Portugal marca presença através das suas companhias independentes, como a Companhia Olga Roriz e o Teatro O Bando, que em “1001 noites – irmã Palestina” – a 6 de julho – homenageiam “a vida, a esperança e o futuro” sem deixar de questionar a narrativa que pretende legitimar a atual ocupação da Palestina, como indica a própria Olga Roriz.

Tiago Rodrigues e Tónan Quito leem nas “Entrelinhas” um espetáculo que nunca se realizou, história verídica “que liga a realidade aos subterrâneos da ficção”, como pode ler-se no programa. Num labirinto narrativo, “Entrelinhas” mistura temas do Édipo Rei, de Sófocles, com as cartas de um preso que, entre o desespero e uma cegueira progressiva, conta à sua mãe as causas do crime. A peça pode ser vista de 13 a 16 de julho.

“Além da Dor”, ideia original do dramaturgo em ascensão Alexander Zeldin aqui trabalhada por Rodrigo Francisco, evidencia as relações precárias, fugazes e frágeis potenciadas pelo capitalismo, tomando como quadro o turno da noite numa fábrica de processamento de carne em Inglaterra. A par de “Full Moon”, o espetáculo vai transmitido pela RTP, com sessões marcadas ao longo de todo o festival.

Regressa ainda “Jogging”, escolha do público em 2023, de 5 a 7 de julho. Partindo do momento em que, a correr em Beirute para lutar contra a depressão, a libanesa Hanane Hajj Ali pensa em sufocar o filho que sofre de cancro, “Jogging” liga a história de várias mulheres através do amor, da lucidez e do mito clássico de Medeia.

“Com esta escolha de espetáculos, estamos a tentar evitar que cada um fique cada vez mais fechado na sua câmara de eco, como tem vindo a acontecer. Queremos manter a tradição de estar com pessoas que pensam de forma diferente”, assinala o diretor artístico da Companhia de Teatro de Almada. “Para selecionar os espetáculos”, aponta Rodrigo Francisco, “há dois grandes critérios: a excelência e a paixão”.

Como é hábito, o Festival de Teatro habita toda a cidade, desde o palco grande da escola D. António da Costa, que recebe também a esplanada, à Incrível Almadense, sem esquecer o TMJB e o Fórum Municipal Romeu Correia.

Música na esplanada, conversas e exposições

Música, exposições, conversas com os artistas e um curso de escrita são as sugestões do Festival para complementar os 14 dias de peças. De Rita Vian, que junta o rap ao fado e à eletrónica a 6 de julho, ao concerto de cante alentejano a 4 de julho ou ao tributo a Zeca Afonso, a 8 de julho, são 17 os concertos na esplanada que prometem animar os fins de tarde.

“25 de Abril: os dias, as pessoas e os símbolos”, exposição concebida por José Manuel Castanheira, celebra a liberdade através de vários objetos marcantes dos dias quentes da Revolução dos Cravos. Fotografias, calendários, autocolantes e panfletos do Arquivo Ephemera ilustram a explosão de felicidade que se fez sentir no “dia inicial inteiro e limpo”, como lhe chamou Sophia de Mello Breyner.

“Criação, ideologia, identidade” são o mote para os “Encontros da Cerca”, este ano transferidos para o Convento dos Capuchos. A 6 de maio, uma curadora, um deputado e vários profissionais do espetáculo discutem os limites da liberdade de expressão e as novas formas de censura.

O curso de formação d’“O Sentido dos Mestres”, conduzido pelo romancista Rui Cardoso Martins, dirige-se a todos aqueles que queiram aprender a escrever teatro, de 8 a 12 de julho. “Ler muito, ver espetáculos, viver mais” partilha métodos de trabalho e instrumentos práticos e teóricos para que cada um possa encontrar voz nesta arte. A inscrição tem o valor de 10 euros para assinantes do Festival e de 20 euros para não-assinantes.

A Barraca é a companhia homenageada, através de uma instalação de José Manuel Castanheira, na 41. ª edição do Festival. “Esta companhia surgiu como um grupo de amigos”, indica Maria do Céu Guerra, “que queriam fazer teatro em que a ética se aliasse à estética”. Assim nasceu o “teatro de afectividade” de uma das companhias mais marcantes do país, onde o mais importante é o acesso de todos à cultura.

As assinaturas – que dão entrada em todos os espetáculos – podem ser adquiridas na página da CTA, na bilheteira do Teatro Municipal Joaquim Benite, ou nas lojas Fnac, com o valor de 90 euros (72 euros para os membros do Clube de Amigos do TMJB). Já os bilhetes individuais variam entre os 13 e os 40 euros, com descontos para jovens e seniores, e podem ser adquiridos na bilheteira do TMJB.

O 41. º Festival de Almada é organizado pela Companhia de Teatro de Almada e pela Câmara Municipal de Almada, contando com o apoio da Direção Geral das Artes. Com uma programação de excelência e um público fiel, o Festival de Teatro que nasceu no Beco dos Tanoeiros é hoje considerado um dos melhores da Europa, como pode ler-se na reportagem do ALMADENSE.

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